Estar
numa livraria pode ser comparado a um dilema amoroso.
Dois
livros, um em cada mão, e ainda nenhum é nosso;
não
os podemos sublinhar, se quisermos.
Os
dois têm partes mais interessantes, outras que desejamos saltar
e
este é um ponto em que os livros se diferenciam das pessoas.
Também
elas têm uma história,
centenas
de páginas e nenhuma delas pode ser ignorada.
Tudo
é importante, principalmente os excertos de enquadramento
que
nos livros aparentam ser, muitas vezes, supérfluos.
Nas
pessoas, ao contrário dos livros,
são
as partes menos estéticas e poéticas que deves reter.
Os
actos banais escondem sempre algo de extraordinário.
Os
gestos que alguém usa para escrever,
as
ondulações que produz com a mão,
são
sempre mais dignas de registo
do
que as frases que ficarão esbatidas no papel.
O
rosto de alguém quando acorda é sempre mais belo
do
que aquele que exibe num jantar de gala.
Porquê?
Porque é natural.
Também
neste aspecto, as pessoas, ao contrário dos livros,
querem-se
sem grandes cuidados ao nível do estilo.
Em
tudo o resto, livros e pessoas, são iguais.
Ambos
possuem um emaranhado de elementos diegéticos.
Não
existem livros inteiramente maus ou bons,
e
o mesmo se passa com as pessoas.
Tudo
é uma questão de gosto, é simples.
Porém,
a questão do gosto é sempre complexa,
porque
a vida não poderia ser tão elementar como um almanaque.
Qual
levas para casa e qual deixas na estante?
Não
penses muito.
Chama
o instinto ou um livreiro que te aconselhe,
se
precisares.
Não
faças a tua escolha baseado na capa ou no prefácio.
Esses
dois elementos deveriam ser retirados dos livros,
porque
tal como a maquilhagem ou o relato que te fazem acerca de alguém,
isso
nada pode acrescentar à sua essência.
E
assim, na livraria, com um livro em cada mão, dei por mim
a
pensar o quão bom seria que a bigamia fosse tão natural
como
ler dois livros ao mesmo tempo.
Um
à noite, outro pela manhã
e
pelo meio um crepúsculo prosaico
em
que um aforismo se desloca calmamente para outro hemisfério
enquanto
um puto malandro trepa a vedação da moral
só
para roubar frutos proibidos.
É
certo que os putos não percebem nada de livros
e
muito pouco poderão entender ainda acerca das pessoas,
mas
o mundo pertence-lhes, imenso e acolhedor,
sem
dilemas ou intrigas literárias que os distraiam.
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