lá vão elas, de olhos
entreabertos, conhecendo apenas os significados mais rectos, os resultados mais
previsíveis e os caminhos mais certos até casa. as paredes das suas casas,
redutos convictos, fortalezas feitas de um papel muito branco, são como o
mármore que prende e sepulta qualquer tipo de actividade secreta ao
racionalismo que trazem sempre
apresentável, como as calças orgulhosamente vincadas, como os vestidos que
deixam ver pescoços adornados com diamantes.
lá vão elas, pela rua
fora, com a altivez de baixo do braço, junto à pastinha que transporta assuntos
do escritório: coisas importantes: se elas caem e os papéis se desorganizam,
todo um mundo se estilhaça; lá vão elas, com a soberba calçada nos pés, os
saltos a marcarem o ritmo, a definirem o tempo que passa no centro comercial: a
rigidez nas palavras ao telemóvel: se a empregada doméstica está doente, todo
um mundo se estilhaça.
antes de saírem de
casa, estas pessoas, homens e mulheres, que passam agora como que sem olhar,
foram o reflexo do medo. enquanto faziam a barba, a lâmina sobre a pele fina,
olhavam-se no espelho e fingiam saber quem eram, quem são agora neste momento,
mas sentiam o medo: o peso da vida nos dedos que seguravam a gilete: um aperto;
enquanto aplicavam sombreados, o lápis de encontro às pálpebras, olhavam-se no
espelho e fingiam saber quem eram, quem serão amanhã, mas o medo tocava-lhes: a
dor do tempo a ficar esbatida no risco dos olhos: uma lágrima. estas são as
pessoas que nunca deram um pu. lá vão elas, céleres na urgência, na imposição
de manter um mundo de ornamentos a salvo de qualquer tipo de pó.
eu e tu já demos pus.
não tenhas vergonha disso! o nosso mundo já se partiu em ocasiões pontuais e, por
vezes, a culpa nem foi nossa. as maçãs do nosso rosto coradas nesses instantes.
talvez tenha sido por alguma coisa que comemos e que, sem sabermos, nos fez
mal. o estômago em voltas, as mãos metidas nos bolsos, o olhar escondido de
qualquer tipo de reprovação social. nesse momento, nós não admitimos, mas fomos
nós. sim, fomos nós, e depois?
depois do medo, esse
acto de contrição, só existe liberdade a flutuar. agora, neste momento em que estamos
só os dois, à mercê de um desabamento colectivo ou de uma erupção vulcânica
dentro dos nossos corpos, reflectimos e percebemos que talvez o amor seja um
peido fininho.
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