estúpido!
és tão estúpido! pára lá de escrever esta merda, estás-me a irritar. é como se
me estivesses a fotografar constantemente, de diversos ângulos, com diferentes
exposições de luz. flash, flash, flash.
é a última vez que te digo: pára!
consegues ser tão chato quando
queres, és mesmo bom nisso, acredita, és mesmo bom nisso. porque é que me
procuras em todos estes textos que vais escrevendo, que amontoas numa gaveta
sombria ou no sossego do teu esquecimento? não percebes que não sou feito de
palavras? não, tu não compreendes nada de nada. qual é a filosofia que
encontras nos carris do metro? qual é a verdade que encontras nos olhos da
rapariga que te está a perguntar as horas? pára lá de escrever esta merda,
responde-lhe! (são cinco e cinco.) custou-te alguma coisa? qual é arte que
encontras nas mãos das pessoas? responde-me, estou a falar contigo. (eu é que
sei.) estamos a falar só os dois, podes explicar-me. pára lá de escrever esta
porcaria! responde-me, gasta palavras.
(não valeria a pena tentar explicar-te.)
porquê? achas-me estúpido? sei muitas coisas que tu não sabes, que não precisam
de palavras para existir. (acredito que sim.) não duvides disso, as pessoas
sabem imensas coisas que tu não sabes, elas nem precisam de as procurar nos
carris do metro, nem nos olhos de uma rapariga que não conhecem, nem nas mãos
de outras pessoas, indiscriminadamente seleccionadas, nem em nada. essas
pessoas existem dentro dos seus corpos, dentro daquilo que vês e a que tiras
fotografias. (o quê? estás-me a falar de almas? não me fodas!)
podes dizer palavrões? sempre pensei
que não pudesses. adiante, o mundo não é apenas aquilo que podes ver, que podes
escrever. se continuares a acreditar nisso esta discussão será eterna. (a
eternidade não existe.) pois não, não existe, nisso tens razão. queria só que
te relembrasses disso mesmo, para que não percas mais tempo com isto. espero
que entendas, não te digo isto por mal, não quero que te ofendas. às vezes
precipito-me, não tenho de ser coerente como tu, não tenho de pensar na métrica
das frases como tu. de resto, não percebo nada acerca da métrica. o que é a
métrica? (noutra altura eu explico-te. prometo)
ultimamente temos passado demasiado
tempo a discutir, desculpa. (não tem importância.) porque é que nunca me olhas
nos olhos? (porque nunca paras quieto.) porque é que me procuras tanto? (porque
tu insistes em fugir-me.) não me leves a mal, mas não tenho paciência para
ficar ao teu lado enquanto escreves, enquanto olhas o mar, enquanto fumas um
cigarro sozinho, enquanto dormes, ou enquanto fazes sexo. há tanto mundo lá
fora. (eu sei. traz-me um pouco sempre que saíres.)
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