agora,
o sol teve o insano apetite de deitar-se cedo,
de
sonhar que era livre e de não ter nas suas costas
o
peso da sua luminosidade. hoje apeteceu-lhe dançar
até
explodir, abandonar o combate às sombras e aos
pólos
hipotérmicos dos corpos. essa foi, pelo menos,
a
vontade do meu sol, do significado maleável do meu sol.
ele
é minha propriedade, tal como a minha sombra,
tal
como esta palavra: esta: e aquela: outra. a palavra
«sol»
pertence-me. ninguém lhe atribui um significado
equiparável
ao meu, nem alguém pode reproduzi-lo
foneticamente
da mesma forma que eu. mutuamente,
pertencemo-nos.
eu
e o meu sol sabemos disso, tal como desconfiamos
da
rotação constante e venenosa dos ponteiros dos relógios;
eu
e o meu sol não temos em posse o instinto secreto
e
inexplicável dos corvos, por isso corremos, como crianças,
melodias
dissonantes do mundo. como um rio, eu e o meu sol,
dirigimo-nos
para o grande lago que reflecte a noite,
que
engole as trevas do medo e tranquiliza o seu significado.
nessa
lagoa sem barcaças, existem sonhos desfeitos,
existem
outros eus e outros sóis. nenhum de nós será eterno,
o
veneno sempre trepa, o setembro nunca deixará de existir
e
trazer o outono, o seu significado. mas eu e o meu sol
sabemos
disso, sabemos dormir e sumir no voo dum quetzal.
atraídos
por uma ilha de mulheres de veludo, nós
raptámos
do
mundo um tempo, um espaço e um tudo que eu fiz,
embrulhados
numa toalha de estampados florais e primaveris.
Sem comentários:
Enviar um comentário