(passado)
estávamos
os dois, em lugares formalmente distintos, desconhecendo a homogeneidade dos
nossos pensamentos; nós sabíamos que estava viva a possibilidade de duas maçãs
serem colhidas naquele exacto momento, nós só não sabíamos a alta probabilidade
de sermos essas mesmas maçãs. nós não conhecíamos a mão que nos haveria de
colher naquele pedaço de tempo solto de tudo o resto. nós nunca tínhamos
captado a magia daquele equinócio, o equilíbrio geral do tempo.
naquele
dia, suspeitando da fome metafísica-carbónica do nosso pensamento de aço pesado
e velho, nós começámos este texto. a decisão de falar sobre isto foi fácil,
pois as maçãs estavam colhidas. existiam degelos glaciares dentro dos nossos
corpos, incêndios que flagravam dentro dos nossos olhos. os nossos passos eram
incertos mas cautelosos, perdidos mas conduzidos por um qualquer motivo
estranho às nossas mais refinadas palavras, às nossas mais alinhavadas
definições. caminhávamos. reticências espalhadas pelo caminho que nos levava
até…
enquanto
escrevíamos este texto, várias foram as vezes em que pensámos no cansaço das
nossas sombras, que não sabendo nada acerca dos nossos propósitos, nos iam seguindo
sem questões. talvez elas soubessem o desfecho daquela caminhada e deste texto
também, mas nós não sabíamos. o mundo, indiferente, continuava concentrado na
marcha regular do tempo. naquele momento nasciam velhos novos, morriam novos
velhos. a lógica não tinha vagar para parar e ler este texto que estávamos a
escrever e os unicórnios eram aves de penas coloridas ocupadas numa migração
utópica. a era da metamorfose tinha chegado.
sim,
vamos reflectir sobre o que escrevemos.
(presente)
estamos
aqui os dois, a ler este texto que alguém escreveu. não nos conhecemos, não
sabemos nada acerca um do outro. no entanto, sabemos, temos a certeza, que
estamos aqui os dois. nós nunca nos distanciámos muito de casa. peço desculpa
por estar a falar como se te conhecesse, como se soubesse os segredos dos teus
possíveis olhos oceânicos. suponho que tenhas uma casa, espero que tenhas uma
casa, é tão bom ter uma casa onde possamos regressar e anular o ácido da
realidade, libertar os medos e as fantasias interiores, formar uma arca de
madeira à deriva nas águas agitadas de dilúvios não previstos pelos boletins
meteorológicos.
é
tão bom inventar-te e pôr-te aqui, saber que existirás aí mais tarde.
(futuro)
[…]
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