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segunda-feira, 20 de agosto de 2012

energia excedentária




às vezes, em noites perpetuadas,
olho para todos estes poemas,
mesmo para aqueles que já suprimiram o seu grito,
fantasmas nómadas numa terra abandonada,
e observo-lhes os contornos, as cicatrizes,
e, nesses momentos, não sei bem o que lhes dizer.
leio-os, sinto-os outra vez,  mas não tenho palavras,
conceitos que os tranquilizem e os façam dormir.
há instantes, os meus fantasmas exigiram uma pátria,
sepulturas ornamentadas para os seus corpos de éter.
perguntaram-me em que corrente se enquadram.
esbocei um sorriso exterior e quase imperceptível,
mas senti o embaraço nas têmperas,
as mãos subitamente trémulas
e, por dentro, o peito a bombear sangue demasiado rápido.
envolto no silêncio duradouro e perturbador
que caiu cerrado após aquela pergunta,
senti a razão e a lógica, cada uma apoiada na sua bengala torta,
a olharem para mim com um trejeito trocista;
o meu demónio interior a dizer-me não sabes nada de nada
e, em seguida, a dizer-me elas também não sabem nada de nada.

uma corrente, uma corrente, uma corrente.

eu preso, acorrentado, perante um sol inquisidor
que me queimava o corpo. brasas dentro de mim.
ferros quentes, manipulados talvez pelo meu demónio.
tratava-se de uma questão perfeitamente legítima,
ainda que injusta, que eu deveria ter antecipado.
percebo a necessidade, o conforto inerente a um rótulo,
e não condeno nem a pergunta nem o tom grosseiro
nem o dedo em riste com que a mesma foi proferida.
perdoo-os por isso, pois eles não podem perceber,
eles não fazem ideia da hiperactividade do meu demónio.

poderia ter facilitado as coisas,
ter respondido realismo mágico com um tom grave e solene.
esse seria, sem dúvida, o caminho mais conciso
para simplificar aqueles e este poema também.
o problema que se eleva é que a poesia não tem direcção,
não é uma estrada pavimentada e devidamente iluminada;
é, antes, distorcer os nossos lugares, plantar pomares ardentes,
esquecer o nosso tempo, os nossos propósitos individuais,
e, às vezes, esquecer os nossos próprios nomes - letras doentes;
é atravessar a terra por dentro;
é partir de um de um dos pólos do planeta,
esquecer o sol, contaminar o solo,
e sair no extremo oposto;
é passar os mortos, e ajudar um ou outro que se ergue;
é passar as camadas de terra de eras passadas e só parar para mijar;
é entrar nos infernos, na semente do pecado embrulhado em magma,
agarrar um demónio irrequieto e tentar o regresso.

e quando, na outra ponta do globo, 
voltarmos a olhar o mundo exterior, 
a noite,
perceberemos que o céu já não é o mesmo,
as figuras compostas de estrelas são outras,
e continuam a não haver caminhos certos;
continua a existir o espaço negro no céu a separar as estrelas.

há o frio exterior a envolver-nos
e o calor do demónio a manter-nos vivos,
a oferecer-nos um copo de veneno
e depois, ao longe, a mostrar-nos a cura.
             
[acabámos por não perceber quais são os nossos motivos!...
dá-nos uma definição - uma cama de feno!
diz-nos qual é o nosso peso e qual é a nossa altura!]

o vosso peso é nada, a vossa altura é nada.
a vossa corrente é o vento e, se vos perguntarem,
dizei que sóis a energia excedentária de uma central eólica.

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