não, o problema
não é bem esse!... o facto de quem escreve o fazer, sobretudo, por vaidade, não
constitui, em si, um problema. desenganem-se aqueles que pensam que um poeta,
por exemplo, não é vaidoso; o facto de passar algo para o papel e de, com
sorte, publicar um dia, quem sabe, ele há cada coisa, é um acto de extrema
vaidade. é pensar que devemos impingir aos outros um terramoto que só a nós
deveria abalar. quem não sente vaidade não escreve, restringe-se a pensar,
deixa as ideias livres, deixa-as morrer ou transformarem-se num sonho, num
pesadelo, num desejo quase inconsciente ou num arroto despropositado.
escrever é um
vómito inusitado! mas quem disse que a vaidade era um pecado tramou-nos bem!
também essa entidade escreveu numa tábua os seus decretos. se algum deus fosse
realmente perfeito, não deveria ter sequer consciência disso; não deveria ter
tampouco conhecimento do que é mau e do que não se deve fazer. assim sendo,
penso existir vaidade em qualquer divindade e a nós, poetas, atenção, seres
importantes, disseram-nos que também nós temos a capacidade de ver por entre o
nevoeiro denso. “ser poeta é ser mais alto”, eis a crença que possuímos
secretamente, longe de qualquer olhar superficial. esta é a nossa vaidade! mas,
penso, o problema não é bem esse!...
o
problema também não é o negócio porco, o capitalismo engravatado que promove
qualquer coisa desde que o lucro assim o justifique. moralismos à parte, tudo é
um produto. um livro já não é sinónimo de qualidade, é apenas sinónimo de poder
económico que alguém tem para financiá-lo, publicitá-lo, prostitui-lo no
sentido mais imaculado do termo. truz-truz! diabo seja cego, surdo e mudo! e,
pelo que acabei de dizer, o problema também não é apenas o rasgo insuficiente
que possuo para escrever. por favor! isso que importa? sim, eu sei que não sou
um antigo jogador de futebol; nunca fui, juro, uma acompanhante de luxo; não sou
jornalista – embora ande a estudar afincadamente, e gosto de me convencer disto, para tal –; e, por último, também não tenho
nenhuma estória com vampiros adolescentes que sentem inúmeras coisas ao mesmo
tempo; por estes motivos, e não apenas estes, eu deveria ter algum pudor e tomar a decisão de nunca mais caligrafar, ou digitar alguma coisa para além do meu nome, rótulo que não posso nunca deixar. mas julgo
que o problema, o maior, não é bem esse!...
muito
menos o problema é a sociedade, que é tão boa a fingir qualquer coisa neste
momento, no anterior, no próximo; a sociedade a ignorar esta linha e a próxima;
alguém que se deparou com este texto por engano, ou porque gostou da imagem, ou
do título, a ler esta linha e a pensar: este caralho quem pensa que é? peço-vos
desculpa! é a vaidade!... mas, de facto, eu não penso que a sociedade seja o
problema. não nego que gostaria que me lessem mais, mas sei que o tempo é tudo
e vocês têm tão pouco. não se envergonhem de responder negativamente, e com
orgulho, nada de abanar a cabeça, muito menos de encolher os ombros, quando um intelectual,
sujeito a todos os níveis mesquinho, vos perguntar se já leram Marcel Proust,
Fiódor Dostoiévski, James Joyce ou Franz Kafka. digam que não; digam que estavam
ocupados a viver. porque, afinal, é disso que se trata! ele sentir-se-á erudito
nesse momento, a superioridade transparecer-se-á nas suas palavras, mas ele não
será capaz de perceber o problema, nem suspeitará sequer da sua existência, não
escutará o ruído do problema; não terá um martelo para bater na linha férrea do
comboio e verificar se esta se encontra em bom estado. ele é essa mesma linha
de comboio, opaca no pensamento, mas oca em qualquer local indecifrável do corpo;
ele é a linha e é o comboio e é o despiste iminente; ele é tudo o que
desconhece; ele é, por consequência, a morte.
há
tanta gente a respirar mas a não saber viver. é esse o problema! é a distância
que criei em relação ao mundo, é a percepção da minha respiração branda,
automática, e do meu cansaço, do meu desejo petulante e adiado de me despedir
de mão dada com o sol e, juntos, mergulharmos no mar. amanhã surgiríamos de
cara lavada e iluminaríamos sentimentos puros e frescos à nossa passagem. no fundo,
só queria que o sol me cegasse, que secasse a tinta das canetas e que a
necessidade não me ensinasse braille, para assim eu aprender a vida,
ponto
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