após
o primeiro ano cumprido no ensino superior, acabo por chegar à inevitável
conclusão de que me afastei do mundo real, para, sem escolha, mergulhar numa
série de conceitos abstractos que de proveitoso nada trazem ao quotidiano de um
qualquer cidadão comum. e não, não se pense que apenas os jovens, estudantes
universitários, estão alheados do mundo real! uma grande franja da sociedade
vive também ela à parte da realidade, dominada por leis e directrizes que segue
sem sequer as questionar – não vale a pena! – e é dona de um discurso tão bem
articulado, mas tão distante de qualquer sentido universal. bem-vindo ao meu
mundo – ao nosso mundo? –, o mundo das convenções.
estás
a ver aquele senhor, sentado no chão, de roupas sujas e velhas, com as mãos
calejadas e negras que pedem esmola? estás? não olhes! ele faz parte do mundo
real. consegues olhar para os ténis que trazes calçados e pensar nos olhos de
dor, no sofrimento que não deveria pertencer a uma qualquer criança indonésia?
não penses nisso! sim, tens os ténis limpos. não pares de desfilar pelas ruas
do nosso mundo! elas são limpas e organizadas. quando escreveres um texto, como
este, por exemplo, não dês grande importânica aos comentários das pessoas que
escrevem com x e com k. elax ñ xabem nd k tu já ñ xaibas!
tudo
tem um método na nossa realidade. sabemos imensas coisas acerca da composição
de um átomo, de um órgão, de um corpo, da estruturação de uma sociedade, da sua
linguagem, da formação das palavras, das palavras que compõem as leis e
suscitam diversas interpretações, das leis que regem o mercado…sabemos quase
tudo, e todos os dias saberemos mais, inventaremos mais para saber. estudamos
até, imagine-se só, a composição da caca.
sabemos
imensas coisas de merda que as pessoas do mundo real, que coabitam, quase
paradoxalmente, connosco não sabem. elas sentem dificuldades para tirar o
andante do metro, perguntam ao motorista do autocarro se o 204 passa no local X
e pedem-nos ajuda, quando estamos na fila das Finanças ou dos Correios, para
tirar a respectiva senha para a respectiva mesa, onde está um funcionário de
barba feita e formalmente vestido, condizentemente carrancudo e altivo, que
lhes dirá: em que posso ajudar?
somos
donos de uma autonomia e de uma atomicidade quase inesgotável. no entanto, não saberemos nunca perceber as horas pela
posição do sol, pelas melodias quase semelhantes dos sinos das torres das
igrejas imponentes, habitadas por crenças que julgamos enfermas pela sua
dubiedade; não saberemos nunca parar e olhar uma orquídea, tal como faria
Alberto Caeiro; não sabemos quanto custa um pacote de leite, tal como
desconhecemos quanto pagaremos um dia, quando dermos entrada nas urgências,
nitidamente embriagados pela rectidão inverosímil de termos interpretado
escrupulosamente o papel social que nos foi atribuído – tome lá este para o seu
menino que, quando for graúdo, há-de ser engenheiro!; não compreenderemos nunca
a essência do sol e do silêncio de domingo.
porém,
julgo, saberemos sempre, com a certeza obsoleta do positivismo, qual é o nosso
caminho, qual o passo seguinte nesta nossa maratona de espelhos. achas que não
sabemos?
olha
que merda! vamos lá começar este texto outra vez. voltemos à zona zero.
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