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segunda-feira, 13 de maio de 2013

Nasceu anã minha estrela


Nasceu anã minha estrela e sem galáxia
a quem deva vassalagem ou compaixão,
mas ela é fonte de alimento para buracos negros
que aniquilam aquilo que sou ou seria
e deixam somente uma máscara de alegria,
que sempre coloco no rosto ao contrário
deslavado de esperança pelo pó do medo.

Eu sou a mentira com que me vou embalando,
eu sou o segredo que esconde o meu crime
– fito os meus olhos reflectidos no espelho
e depois lanço-os à janela que pinta sempre de janeiro
o mundo que engulo a custo
e que parto com aquilo que me sobra:
palavras vazias e lembranças de promessas sem país.

Minha criança desfez-se em pétalas,
minha criança fez sem léguas
e em névoas me perdeu.

Deixou-me como herança um templo sem deus,
um tempo que não se liga com o espaço
e que me traz sempre um amanhã
para enferrujar e apodrecer meu carrossel-pistola.

Mãe, nasceu anã minha estrela!... Estou doente?
Dá-me bolachas e mel!... Não quero ir à escola!

quinta-feira, 2 de maio de 2013

um resto de mundo




a primavera chegou nas asas dos pássaros negros
prometidos por um pretérito que se mescla com o presente
e transfigura o meu corpo num campo de cardos
onde me perco e suplicio
inflijo a mim próprio o expoente máximo da desculpa
que sempre puxo do bolso cansado das minhas mãos

sussurro e digo-me que há-de passar
- o tempo confirma:
a cidade avançou para o dia sem mim
e eu permaneci nesta madrugada
envolto no perfume de um roseiral morto

a insinuação de dias quentes que o vento me traz
diz-me bom dia e baixa o olhar

já não nos conhecemos
ou talvez eu seja um outro
que o universo levou à Inquisição

vejo um cigarro a morrer
estendo-lhe a mão
e juntos transformamos em fumo um resto de mundo