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terça-feira, 25 de novembro de 2014

Ultrapassagens pela direita


            Antes de mais, começo por pedir desculpa, pois este texto é uma excepção em relação a todos os restantes conteúdos que, até hoje, foram publicados neste blogue. Sempre tive como objectivo utilizar este “espaço” apenas para fins literários, mas para além do meu gosto pelos livros, pelos enredos fantásticos, pela arte de pintar através das palavras paisagens por inventar, eu sou também um estudante de jornalismo. No entanto, mais do que isso, eu sou um cidadão e gosto de ser informado de forma correcta, transparente e desinteressada. Sim, talvez eu seja um utópico! Muitas vezes encaro-me como um velho do restelo, a quem a pátria diz muito pouco, mas existem causas e valores que me levam a escrever estas palavras.
            A personagem principal ou, melhor, o Anticristo a quem este texto faz referência, é alguém por quem eu não tenho uma grande afinidade ideológica ou política. Por isso, sinto-me à vontade para me debruçar sobre o assunto.
            Desde a passada sexta-feira, vivemos num país diferente; vivemos num país sem memória e não existe nada pior do que um povo que não é capaz de se lembrar. Isso anula o progresso, a reflexão cívica e, acima de qualquer outra coisa, impede que sejamos capazes de ser justos. Um dos requisitos para sermos justos, ou, pelo menos, para amplificarmos essas hipóteses, é mantermos um certo distanciamento em relação ao nosso ponto de enfoque. Uma balança deve sempre ter dois pratos e nenhum dos dois deve estar vazio. Devemos saber colocar os pesos em cada um desses dois pratos.
            Penso que, chegados a este parágrafo, muitos de vocês já devem suspeitar que o caso a que me refiro é aquele que envolveu a detenção e posterior decretação de prisão preventiva de José Sócrates, antigo primeiro-ministro. Pois bem, nestes últimos dias, este assunto entrou de rompante em casa de cada português. É inevitável! E muito tem sido dito e publicado acerca do assunto, ainda que as informações sejam escassas. Refiro-me às informações disponibilizadas à maioria dos órgãos de comunicação social, porque existem duas ou três excepções.
            Em Portugal existe apenas uma pessoa completamente informada sobre este tema. Mais ninguém! Em relação a este assunto, ela é omnisciente e omnipresente. Se o Pedro Chagas Freitas pode ser deus, esta pessoa também pode. Essa pessoa é a jornalista Felícia Cabrita, que por sinal é a autora da biografia autorizada de Pedro Passos Coelho, que por sinal trabalha para o semanário Sol – órgão de comunicação social que no passado travou uma batalha “pessoal” com José Sócrates – e que, por sinal também, pois claro, foi uma jornalista que esteve ligada a revelações feitas acerca do escândalo Casa Pia e também do já célebre caso do Estripador de Lisboa – em ambos, as suas investigações acabaram por se revelar pouco precisas. Ou seja, temos aqui vários sinais e, já diz o povo, onde há fumo, há fogo. Ainda a respeito de Felícia Cabrita, e isto é uma mera opinião, gostaria de dizer que essa senhora está para o jornalismo tal como o Nicholas Sparks está para a literatura. Vende, consegue por vezes bons enredos, é certo, mas não acrescenta merda nenhuma! Transição.
            Existe ainda outro órgão de comunicação social, que embora não afirme saber tudo, tal como a Dona Felícia, parece ter acesso a informações privilegiadas. Ora adivinhem lá qual é! Aquele que ninguém lê mas ainda assim é que o mais vende… Parabéns! Acertou! É o Correio da Manhã, esse híbrido que combina o melhor do Jornal de Notícias com o melhor da revista Maria; esse jornal que, um dia, afirmou que a vida tentou suicidar-se numa ponte (juro que é verdade, podem pesquisar). Acerca deste nobre jornal diário não vou dizer mais nada, porque fico com vontade de regurgitar. Além disso, bater no Correio da Manhã é quase cobardia, pois toda a gente lhe bate.
            Semanário Sol e CM: são estes os dois órgãos de comunicação social mais sapientes acerca do Caso Marquês. O primeiro declara ser o único que sabe tudo, o outro, sempre fiel ao registo, limita-se a papaguear os comunicados que chegam à redacção, provenientes de fontes desconhecidas mas interessadas em promover o espectáculo; o que importa é estar escrito SÓCRATES com letras muito gordas, na capa, acompanhado do drama pessoal de uma celebridade qualquer. Portanto, assim verificamos que este circo mediático está, sobretudo, entregue a um jornal sedento de vingança e a outro que me faz lembrar aqueles miúdos que quando dois colegas se pegam no recreio ficam simplesmente a ver, formando uma roda, e gritando: Porrada!, Porrada! Quando um deles finalmente cai ao chão, há sempre quatro ou cinco dos que estavam a assistir que aproveitam imediatamente para dar uns pontapés também.
            José Sócrates também caiu. Em público. No ringue mediático. E existem milhões de pessoas desejosas de o pontapear agora. Mesmo aqueles que votaram nele e até hoje o defenderam, parecem agora não conseguir controlar a vontade de o condenar em praça pública. O bom português é assim! Tem sempre um dedo a apontar, mesmo que não saiba bem para onde e muito menos o motivo pelo qual o faz. Confesso, é nestes momentos que eu pego no meu bilhete de identidade espanhol esquecido numa gaveta e me lembro que tenho mesmo de o ir renovar.
            Com toda esta agitação mediática, outros assuntos que estavam na ordem do dia acabaram por se eclipsar, como é o caso da polémica em que os famosos vistos gold estão envoltos. Ninguém falará disso nos próximos dias! Para além disso, a altura em que a detenção de José Sócrates teve lugar parece ter muito pouco de casual. Uma investigação que, pelo que dizem, ocorria há um ano terminou precisamente no dia que antecedeu o congresso socialista e que elegeu António Costa para o cargo de secretário-geral do partido. Coincidência? Julgue você mesmo! Há ainda que considerar a forma como a detenção do antigo primeiro-ministro foi efectuada. José Sócrates passava a maior parte do seu tempo em Portugal, mas a sua detenção tinha mesmo de ser efectuada aquando da sua chegada ao aeroporto da Portela? Não existia perigo de fuga, o suspeito não constituía uma ameaça para a sociedade. Como justificar isto? A mim, parece-me, que assisti a um acontecimento demasiado cinematográfico num país onde o teatro social e político está entregue a amadores. Um happening, se quisermos. Mais um aspecto a considerar: as únicas imagens captadas no momento da detenção foram recolhidas e emitidas, em primeira mão, pela SIC Notícias. Ora, paremos para reflectir. Quem é o patrono desta estação televisiva? Francisco Pinto Balsemão… Interessante!
            No entanto, bem sei que nada disso agora importa e é extremamente aborrecido estar a pensar em tudo isto. Lá está ele com a mania da conspiração, dirão alguns de vocês. Talvez esteja mesmo, mas gosto de manter abertas várias possibilidades e desconfio sempre das perspectivas dogmáticas que me tentam impingir. E não se pense que o bicho papão é a comunicação social! Os órgãos de comunicação social são apenas mais um instrumento, que todos querem e tentam controlar, porque controlar a comunicação é amputar e enviesar o acesso à informação.
            Existe quem saiba isso. Existe quem saiba tudo. Existe quem não sabe nada e, pior do que isso, não quer saber nem ver para além daquilo que as palas nos olhos lhes permitem enxergar. E assim vai o povo nesta excursão, pela estrada fora, tudo em alvoroço, porque até o motorista parece ser um canalha e um gatuno. Enquanto isto, chineses ao volante de automóveis de alta cilindrada ultrapassam pela direita. E ninguém nota. Ninguém quer saber. “Só sei que nada sei”, já dizia o outro fulano, que também se fodeu bem e nem televisão tinha na prisão.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Campanhã, 6min, 18:43

Durante horas aguardámos um sentido na estação de comboios.
Matámos a ditadura dos relógios,
imaginando todas as rotas que poderíamos ter tomado
e todos os lugares em que ainda nos aguardamos impacientemente.

Assim nos detivemos durante demasiado e vago tempo:
a vida esfumar-se entre os nossos dedos  
que nunca tocaram os sonhos canónicos das nossas vontades,
apenas medos e trevos de três folhas que com vaidade colhemos.

Ninguém nos viu durante todo o tempo em que ali esperámos,
sentados em bancos de metal naturalmente gélidos,
e muito menos alguém terá notado os nossos rostos parados
porque as multidões são cegas, autistas
e o amor trepidante talvez seja um atraso constrangedor
para um mundo em constante hora de ponta.