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quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Acerca dos livros e das pessoas

Estar numa livraria pode ser comparado a um dilema amoroso.
Dois livros, um em cada mão, e ainda nenhum é nosso;
não os podemos sublinhar, se quisermos.
Os dois têm partes mais interessantes, outras que desejamos saltar
e este é um ponto em que os livros se diferenciam das pessoas.
           
Também elas têm uma história,
centenas de páginas e nenhuma delas pode ser ignorada.
Tudo é importante, principalmente os excertos de enquadramento
que nos livros aparentam ser, muitas vezes, supérfluos.
Nas pessoas, ao contrário dos livros,
são as partes menos estéticas e poéticas que deves reter.

Os actos banais escondem sempre algo de extraordinário.
Os gestos que alguém usa para escrever,
as ondulações que produz com a mão,
são sempre mais dignas de registo
do que as frases que ficarão esbatidas no papel.

O rosto de alguém quando acorda é sempre mais belo
do que aquele que exibe num jantar de gala.
Porquê? Porque é natural.
Também neste aspecto, as pessoas, ao contrário dos livros,
querem-se sem grandes cuidados ao nível do estilo.
Em tudo o resto, livros e pessoas, são iguais.

Ambos possuem um emaranhado de elementos diegéticos.
Não existem livros inteiramente maus ou bons,
e o mesmo se passa com as pessoas.
Tudo é uma questão de gosto, é simples.
Porém, a questão do gosto é sempre complexa,
porque a vida não poderia ser tão elementar como um almanaque.
           
Qual levas para casa e qual deixas na estante?
Não penses muito.
Chama o instinto ou um livreiro que te aconselhe,
se precisares.

Não faças a tua escolha baseado na capa ou no prefácio.
Esses dois elementos deveriam ser retirados dos livros,
porque tal como a maquilhagem ou o relato que te fazem acerca de alguém,
isso nada pode acrescentar à sua essência.
           
E assim, na livraria, com um livro em cada mão, dei por mim
a pensar o quão bom seria que a bigamia fosse tão natural
como ler dois livros ao mesmo tempo.

Um à noite, outro pela manhã
e pelo meio um crepúsculo prosaico
em que um aforismo se desloca calmamente para outro hemisfério
enquanto um puto malandro trepa a vedação da moral
só para roubar frutos proibidos.

É certo que os putos não percebem nada de livros
e muito pouco poderão entender ainda acerca das pessoas,
mas o mundo pertence-lhes, imenso e acolhedor,
sem dilemas ou intrigas literárias que os distraiam.