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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

cabelos de cobre



I

z z z
penso em tantos momentos inexistentes
que me esqueço de te ver, de me ver a olhar.

existem tantas esquinas que te encobrem,
barreiras antigas construídas que te guardam.
o meu olhar é perdido, só tem esboços rasgados.

desencontrados nas ruas tu passas e eu olho.

por vezes esqueço-me de tudo isto
e levo-te a passear. não temos horas.
matámos todos os relógios,
todos os porteiros que nos viram passar.

somos nós. seres derradeiros.
projectos múltiplos por firmar
para os quais nunca olhaste. executas sem chorar.

II

ACORDO. volto a pensar. cenários forasteiros.
já passaste com os teus pés imaginários,
ao ritmo dos automóveis e do riso dos banqueiros.


fico, com os nossos códigos binários.
segues como só tu sabes. CEGAS O MUNDO.

máquina! máquina! máquina!

de superfície metalizada, cabelos de cobre e olhos carregados
avanças ignorando os cadáveres daqueles por natureza mortos.

LEVAS O MUNDO CONTIGO! e eu sigo,
ainda que a olhar…ainda que por vezes me esqueça.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

és as máquinas




pensei que se não visse não serias.
mas tu és, em último caso, a sombra do meu timbre;
tu és as máquinas do mundo que avançam e matam;
és a fome maior que afecta o meu pensamento circular.

és os silêncios que tornam estas palavras realizáveis. és o mar,
solto das suas correntes. sons estridentes. és as máquinas.

és o futuro e o passado conjugados num só. és o pó.
és a terra que me derruba e prende. és tu sem estares
onde eu estou, porque o espaço é curto e tu não caberias.
és o tempo que se estende. és as horas frias. és as máquinas.

pensei que se te dissesse saberias.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

100/sem seres


tenho várias assinaturas manipuladas que uso, quase sem pulso, para escrever o meu nome. são rebuscadas, são perfeitas sem mim, são autómatas. Sou eu, sendo os outros que pareço. conheço várias pessoas e nenhuma me conhece de todo. eu próprio não me conheço de todo.

existem histórias, que me embalam amargamente naquelas noites vazias de mim, frias no meu calor introvertido. cem personagens ficcionadas cobrem as paredes meninas do meu quarto já gasto de cores. ao canto a janela está aberta, e eu pareço não querer aparecer. sob o olhar altivo da janela está a velha secretária, com velhos papéis assinados por mim. todos diferentes, todos iguais: todos papéis.
existem cem ruas escondidas, com cem pessoas tão inconscientemente perdidas. e quando pensam que se perderam, encontram-se por fim. são elas por um momento, depois procuram um rumo e voltam a perder-se. estou numa dessas ruas, mas o meu corpo dorme num quarto distante. paradoxo do espaço. alguns podem pensar que é a minha alma quem anda, outros podem pressentir que é o meu pensamento quem caminha, quem comanda, solto das minhas pernas cansadas. não sei responder. apenas sei que vou caminhando parado.

passo por cem seres, cem ruas. em cada encontro procuro por mim. paro. tiro medidas, pergunto nomes, peço moradas. depois prossigo.

se me encontrei não me reconheci…




               

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

descanso às árvores!


 desde os tempos primordiais que o Homem sente a necessidade de comunicar, de interagir com os outros, no fundo, de produzir e receber conhecimento. de resto, tal como todas as espécies de ser viventes comunicam, ainda que de forma muito mais rudimentar. fica, portanto, reservada à humanidade a capacidade de criar e divulgar conhecimento.
               
para esse efeito, o acto de redigir um texto sempre foi uma das formas mais utilizadas para comunicar. até Deus escreveu em tábuas para que a sua mensagem não fosse perdida e, dessa forma, o povo Hebreu seguisse, ao longo dos séculos, os seus mandamentos. no entanto, escrever em tábuas nunca foi algo fácil para o braço humano, tornando-se o papel, durante uma linha de tempo bastante extensa, o meio que suportou a comunicação escrita. ele permite que uma mensagem se torne intemporal e se propague, porém tem a desvantagem de ser unidireccional. ou seja, a mensagem não pode ter feedback directo e a interactividade é inexistente.
               
com o desenvolvimento dos meios tecnológicos deu-se uma revolução na forma de comunicar. actualmente o mundo está todo interligado, tal como sucede com a informação escrita. a palavra folha de papel foi substituída por webpage, a palavra texto por hipertexto e a palavra leitor deu lugar a seguidor, alguém que interage em tempo real com o autor da mensagem.
               
as bibliotecas e os alfarrabistas perderam alguma da sua essência, pois na Internet temos tudo o que procuramos à distância de um clique. a própria Literatura aliou-se ao avanço tecnológico, sendo os e-books actualmente uma realidade. os Poetas de hoje deixaram de escrever nos guardanapos dos cafés e passaram a escrever directamente nos seus blogues. através deles chegam até outras pessoas com interesses comuns ou semelhantes aos seus. tudo está relacionado de forma simples e intuitiva. cada um lê, ou consome, apenas aquilo que pretende.

o mundo parece girar mais RÁPIDO. tudo está mais PERTO. Tudo está “linkado” a TUDO.

não escrevemos em tábuas ou em guardanapos.

descanso às árvores!

domingo, 6 de novembro de 2011

para nunca me esquecer


tem cara de menino. não conhece ainda o mundo,
e talvez por essa razão vá olhando pela janela,
com olhos prematuros, fixando as paisagens iguais,
sempre repetidas nos túneis escuros do metro.

uma parte da sua face sorri e a outra é triste. olho.
tento evitar. olham muitos curiosos. ele não vê.
o metro arrastando-se nos carris, o tempo a passar.

olho e penso que aquele miúdo é um poema vivo.
tem duas caras que não esconde, que não pode…
ainda é cedo para querer. quer perceber o mundo.

o seu pai, sentado à sua frente, tem uma só cara.
é triste. percebe os habituais olhares circundantes,
pensa que o seu filho não é um menino comum.

não é. de facto, não é.

a treva agarrada ao túnel e espelhada nos vidros,
porém, a sua face mais perto da janela sorri sempre.
a outra próxima de todos os olhos que o examinam,
das sobrancelhas que se franzem, da minha inveja,
do mundo, é triste. as suas duas faces coincidem.

como eu gostava de ter essa capacidade,
exibir a dualidade, fotografá-la e torná-la imortal.

aquele menino um dia vai crescer e vai perceber
que as pessoas com apenas uma cara, tão formal,
escondem dentro de si crianças como ele.

sorri levemente após este pensamento.
tenho esperanças de um dia o voltar o ver.

depois a luz. o metro parou. saí. ele não me viu.

escrevi este poema para eu nunca me esquecer.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

sob nossos pés



não chove e eu disse-te. é a sorte.

enquanto os sinos anunciam aquela morte
alguém nascerá no Japão, sob nossos pés,
voltado de costas para nós, chorando muito.
ainda não saberá sentir, porém, saberá chorar.

nos velhos cadáveres uma fotografia persiste,
no amanhecer o sol vem desconfiado, treme,

não sabe porquê.

as velhas aprontam as lágrimas
e ajeitam as saias que cobrem as pernas esmurradas
por nobres senhores agora extintos – deixai-os estar!
já somos demasiados! já estamos atrasados!

não cabem mais no mundo as velhas hesitações.
tentaram mudar tantas vezes, inverter os padrões,
com centenas de milhares de mentiras pintadas
e expostas nos mais belos museus. queime-se tudo!
as ciências tenho-as comigo, um pouco rasgadas.

venha o padre! as velhas já chegaram!
está na hora, enterremos a tradição!

o tempo correu na torre sineira
e alguém nasceu no Japão…

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

poema podendo servir de posfácio



"ruas onde o perigo é evidente
braços verdes de práticas ocultas
cadáveres à tona da água
girassóis
e um corpo
um corpo para cortar as lâmpadas do dia
um corpo para descer uma paisagem de aves
para ir de manhã cedo e voltar muito tarde
rodeado de anões e de campos de lilases
um corpo para cobrir a tua ausência
como uma colcha
um talher
um perfume


isto ou o seu contrário, mas de certa maneira hiante
e com muita gente à volta a ver o que é
isto ou uma população de sessenta mil almas
devorando almofadas escarlates a caminho
do mar
e que chegam
ao crepúsculo
encostados aos submarinos
isto ou um torso desalojado de um verso
e cuja morte é o orgulho de todos
ó pálida cidade construída
como uma febre entre dois patamares!
vamos distribuir ao domicílio
terra para encher candelabros
leitos de fumo para amantes erectos
tabuinhas com palavras interditas
- uma mulher para este que está quase a perder
o gosto à vida - tome lá -
dois netos para essa velha aí no fim da fila -
não temos mais -
saquear o museu dar um diadema ao mundo e depois
obrigar a repor no mesmo sítio
e para ti e para mim, assentes num espaço útil,
veneno para entornar nos olhos do gigante

isto ou um rosto um rosto solitário como barco em
demanda d eventos calmo para a noite
se nós somos areia que se filtre
a um vento débil entre arbustos pintados
se um propósito deve atingir a sua margem como
as correntes da terra náufragos e tempestade
se o homem das pensões e das hospedarias levanta
a sua fronte de cratera molhada
se na rua o sol brilha como nunca
se por um minuto
vale a pena
esperar
isto ou a alegria igual à simples forma de um pulso
aceso entre a folhagem das mais altas lâmpadas
isto ou a alegria dita o avião de cartas
entrada pela janela saída pelo telhado


ah mas então a pirâmide existe?
ah mas então a pirâmide diz coisas?
então a pirâmide é o segredo de cada um com
o mundo?


sim meu amor a pirâmide existe
a pirâmide diz muitíssimas coisas
a pirâmide é a arte de bailar em silêncio


e em todo o caso



há praças onde esculpir um lírio
zonas subtis de propagação do azul
gestos sem dono barcos sob as flores
uma canção para ouvir-te chegar"

Mário Cesariny

terça-feira, 1 de novembro de 2011

não acordes ninguém que possa perceber


olhemos o céu, a sua dimensão não importa.
esta noite contaremos todas as estrelas vivas
e aquelas que ainda brilham hoje para nós,
bem lá no alto, são mortas já, a noite inteira.

olhemos as ruas e os seus longitudinais anos,
os buracos que vai tapando com os pedintes
e as suas placas, com os nomes tão opacos.

vamos caminhando, o tempo vem também.

(se não sabemos a verdade podemos sempre inventar)

vamos nós, sempre sós, somos crianças de cabelos brancos.
vagueamos descalços na calçada, manchada de ácido.
não digas nada, não acordes ninguém que possa perceber

esta noite.

esta noite roubamos estrelas que colamos na memória.
quantas? não sei dizer. sigamos com os olhos pregados no céu,
fechados, até o meu sonho de novo se me morrer.

(se morremos acordados podemos sempre viver a sonhar)