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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

CÉLULAS



Corpos vazios de propósitos vivem,
Comandados por suas células mortas.
Sons esguios, estranhos, me dizem
Velhos ditados que quase nem notas:

“As pessoas sempre seguem o caminho já traçado”

As células estão mortas
e o espírito foi roubado,

por alguém sem culpa sua,
num momento desencontrado.

Por vezes o amor mata,
por vezes o verso é feio,

mas o poema é só um corpo,
por vezes partido ao meio.

Uma vida com falsas razões
movida por linhas confusas:

sensações; palavras obtusas;

células vivas num corpo morto.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

QUASE POEMA

Vozes perdem-se no vento
O sentido passa e não volta
A este segmento de tempo
Em que o momento é tão lento
E a aurora se demora

Sofro aguento calo amordaçado
Por raiva ou amor
Talvez loucura somente

Não não não
Mil vezes não
Tanta verdade que me mente
Eu expulso-a do meu corpo
Vómito provocado
O sonho é abortado
Por esta doce amargura
Cicatriz que em mim perdura

Eu não sou perfeito
Não sou
Eu sei que não sou
Nem quero ser
Eu não sei o que dizer

Desculpa apenas
Não não não
Desculpa não

O melhor é esquecer
Todo este quase nada
Este poema sem alma

Não
Não tem alma sequer
Nem perfume de mulher

Apenas tem palavras
À deriva no pensamento
Palavras perdidas
Ou esquecidas
Despejadas no momento


Nota: este poema não é propriamente recente. É o resultado dum "esboço" feito há três anos atrás e que agora refiz. Nota-se claramente que o poema tem duas correntes distintas. Um lado mais informal e livre, a parte antiga. E algumas partes mais pensadas, acrescentadas nesta remodelação ao texto. Espero que gostem!

sábado, 1 de janeiro de 2011

MANHÃ

A noite foi difícil, atormentada talvez pelas turvas lembranças daquele dia. Aquele dia: esse dia tão distante, mas tão próximo de imaginar. Metade do que lhe recordo talvez tenha sido verdade, a outra metade foi-lhe acrescentada pelo meu arrependimento, pela minha culpa, pela minha vontade de fazer de forma diferente. Então as duas metades juntam-se e formam um novo ontem que vou vivendo nesta manhã. Amanhã moldarei um hoje diferente deste que realmente vivo. Amanhã abrirei o baú da mentira e com ela darei cor: vida: a este hoje desbotado pelo ontem, a esta manhã que se enlaça com a noite.

Ao acordar nesta qualquer manhã
Depois de mais um sono fingido
Eu penso em ti
E nesse momento quase te amo

Quando olho o retrato sumido
Com as lágrimas secas que derramo
Eu toco em ti
E nesse momento quase sou teu

Mas não sou
Não sei de quem sou

Sou do tempo que nada me traz
Sou a lembrança que tu negarás

E quando eu penso que sarou
Afinal ainda arde
Ela queima como absinto
Ela queima como mil sóis

Quando eu penso que acabou
Afinal ainda te sinto
Afinal ainda me dóis

Mas quando eu acordo
Mas quando olho o retrato
Eu penso em ti
Eu toco em ti

E nesse momento não real
Esta dor é recompensa

Nesse momento eu sei que existi

SÓIS

Mãos erguem-se para o céu. Olhos perdidos olham o vazio, do mundo feito de utópico papel facilmente corrompido pela erosão da mentira…


Olhei desprotegido para o enorme clarão
Enquanto nos céus o cogumelo ainda se erguia

Aquela morte não tem resposta
Nem qualquer explicação
A minha face nasceu exposta
A esse deus com radiação

Foi como ver o brilho de mil sóis
Manchado pelo sangue espalhado no ar

Foi como não ter o corpo
Que a chuva há-de queimar

Hoje não sei se ficarei
Ou se morro
Fico quieto somente

Na esquina alguém chama
Alguém clama por socorro

As primeiras gotas já caem
E corroem olhos e pele

Pouco me importa isso agora
Pois de ver não faço questão
Até o toque da tua mão
A explosão levou embora

O que choca não é morte
O que dói não é ferida
A chuva levará tudo isso

Antes me custa esta sorte
Que me faz ainda ter vida

ESTRANHA CONDIÇÃO

Os meus olhos nem sempre são meus,
por vezes cegam-me com mil imagens.

As minhas mãos por vezes são autómatas
e cometem os mais estranhos crimes.

A minha boca por vezes é robótica
e diz aquilo que eu não quero dizer.

Por vezes eu sou eu sem querer ser,
perdendo assim o controlo da personagem.

Quem sou eu no espelho?
Sou o corpo ou a imagem?

Sou o ciclo das coisas
que não têm explicação.

É a vida.

Viver: estranha condição…

PARANÓIA

Por vezes chamam-me louco. Por vezes eu sou eu: sou apenas eu, sem razão que me diga onde estou. Livre de tudo, como pássaro. Sozinho de todos, quase morto, vivendo da forma mais pura: animal. Estranha forma de vida: paranóia. Todos usam isso como o pretexto, o sinal concreto de alguma coisa que não conseguirei perceber e que, ignorando a minha voz, ninguém irá explicar. Mas no fundo, no ponto mais profundo, verdadeiro e irracional de mim, eu sei: alguém bateu.

Alguém bateu à porta
Estou quase certo de que ouvi
Sim eu sei que não foi de mim
Não não foi assim

Eu ouvi quase que bem
Alguém bateu à porta

Alguém não sei bem quem

Mas ninguém quer acreditar
Que realmente alguém bateu
Não eu não estou só a sonhar
A minha mente não escreveu

Alguém tentou nos avisar
Da loucura que nos cega
Desse deus que nos renega

Alguém tentou
Alguém bateu

Ninguém ouviu
Apenas eu

PAI

Tenho uma palavra que não consigo nunca verbalizar,
talvez por natureza minha ou por estranheza ao seu som.

Só sei que me custa dizê-la quando estou contigo,
pai, nesses momentos em que somos só os dois:
pai e filho: somos o silêncio, que no fundo tanto diz.

Diz tudo aquilo que as palavras não conseguem,
que as mãos não nos permitem executar
pois somos pai e filho: somos silêncio no silêncio:

somos amor sem pronunciar.

PONTOS DISTANTES

Penso em locais diferentes
com pessoas só um pouco irreais:
com um resto de ti e eu.
Perfeitos seres vagueando no espaço,
em pontos tão próximos.

Sonho sonhos desiguais,
atados pela tua voz,
pelo teu concreto silêncio,
que tanto me poderia dizer:

amo-te, por exemplo.

Mas ele não diz isso.

Então eu paro de sonhar,
paro de pensar,
paro de ser homem…

limpo as sobras de ti
e um pouco de mim
que subsiste agarrado ao meu corpo.

Nesse momento somos apenas nós:
resquícios vagueando no espaço,

em pontos tão distantes

FÉNIX

Húmidas estão as certezas
A vida vai corrompendo-as

Fá-lo bem
Sem olhar nunca para trás

O meu olhar torna-se híbrido
As imagens desvanecem
Transformam-se por vezes

Existem coisas que vão
Outras diferentes apenas mudam

Os segundos indiferentes
Marcam o ritmo amargo
O rio corre sempre agitado
Para um mar sempre parado

Submergem das águas frias
Fantasias quase mortas
Eu tive as palavras certas
Mas as linhas estavam tortas

Caem dos negros céus
Gotas ácidas que se perdem
Antes molham a minha face

A palavra que eu guardei
Eu darei a alguém que passe

Lá bem longe
Eu sei
Que alguém é testemunha
Da história que eu criei
Da personagem que eu supunha:
Ser

Não fui

Tento renascer

TEORIA DA RELATIVIDADE

TEORIA DA RELATIVIDADE


Tudo aquilo de que vivo é passado
O que ouço ou que te digo
Já não é verdade agora pois passou

A velocidade a que a luz me mostra
A tua face que eu supus que fosse igual
Afinal também mudou

Tudo é tempo
Parece lento
Mas tudo leva

Faz sol no Verão
E neva em Dezembro

Eu procuro a tua mão
Para a minha não cair

O momento não é nosso
Ele deixa de existir
Quando nostálgico eu o tento captar

Sinto a sua falta
E não sou mais do que tempo a passar
Um pouco mais que o necessário

O meu grito vai no universo imaginário
Viajando no tempo que pára agora

A estrela é distante
E o tempo também chora