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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

a triste sina de não termos sido ciclistas



é preciso saber seguir em frente e assumir que o mundo é açúcar.
(mesmo quando a queda dista dois passos?) sim, é necessário,
tal como a água, tal como o sol. (porquê?) porque cair faz parte,
como quando aprendeste a andar de bicicleta. não te lembras?
poderias ser ciclista se quisesses. poderás ser o que hoje ignoras.
(a que horas será isso?) não sei, vai andando. o Tempo é veloz.
também ele poderia ter sido ciclista, não fosse esta a tua natureza.
exausto, cansado das tuas tretas, ele vai correndo, olhando para ti
enquanto molhas a roupa à chuva, enquanto te queimas. é bom!
(quem? o tempo?) não! molhares-te e queimares-te todo!

tens cada uma…

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

o meu subconsciente come bifanas em roulottes



estúpido! és tão estúpido! pára lá de escrever esta merda, estás-me a irritar. é como se me estivesses a fotografar constantemente, de diversos ângulos, com diferentes exposições de luz. flash, flash, flash. é a última vez que te digo: pára!
            consegues ser tão chato quando queres, és mesmo bom nisso, acredita, és mesmo bom nisso. porque é que me procuras em todos estes textos que vais escrevendo, que amontoas numa gaveta sombria ou no sossego do teu esquecimento? não percebes que não sou feito de palavras? não, tu não compreendes nada de nada. qual é a filosofia que encontras nos carris do metro? qual é a verdade que encontras nos olhos da rapariga que te está a perguntar as horas? pára lá de escrever esta merda, responde-lhe! (são cinco e cinco.) custou-te alguma coisa? qual é arte que encontras nas mãos das pessoas? responde-me, estou a falar contigo. (eu é que sei.) estamos a falar só os dois, podes explicar-me. pára lá de escrever esta porcaria! responde-me, gasta palavras.
            (não valeria a pena tentar explicar-te.) porquê? achas-me estúpido? sei muitas coisas que tu não sabes, que não precisam de palavras para existir. (acredito que sim.) não duvides disso, as pessoas sabem imensas coisas que tu não sabes, elas nem precisam de as procurar nos carris do metro, nem nos olhos de uma rapariga que não conhecem, nem nas mãos de outras pessoas, indiscriminadamente seleccionadas, nem em nada. essas pessoas existem dentro dos seus corpos, dentro daquilo que vês e a que tiras fotografias. (o quê? estás-me a falar de almas? não me fodas!)
            podes dizer palavrões? sempre pensei que não pudesses. adiante, o mundo não é apenas aquilo que podes ver, que podes escrever. se continuares a acreditar nisso esta discussão será eterna. (a eternidade não existe.) pois não, não existe, nisso tens razão. queria só que te relembrasses disso mesmo, para que não percas mais tempo com isto. espero que entendas, não te digo isto por mal, não quero que te ofendas. às vezes precipito-me, não tenho de ser coerente como tu, não tenho de pensar na métrica das frases como tu. de resto, não percebo nada acerca da métrica. o que é a métrica? (noutra altura eu explico-te. prometo)
            ultimamente temos passado demasiado tempo a discutir, desculpa. (não tem importância.) porque é que nunca me olhas nos olhos? (porque nunca paras quieto.) porque é que me procuras tanto? (porque tu insistes em fugir-me.) não me leves a mal, mas não tenho paciência para ficar ao teu lado enquanto escreves, enquanto olhas o mar, enquanto fumas um cigarro sozinho, enquanto dormes, ou enquanto fazes sexo. há tanto mundo lá fora. (eu sei. traz-me um pouco sempre que saíres.)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

chamas e a noite a desabar na praia



hoje não fiz nada de relevante que mereça este gasto de palavras. domingo, fevereiro, vento polar. quando acordei já era tarde – mas tarde para quê?, afinal de contas, enquanto dormia, eu tinha consciência de que hoje o dia seria, maioritariamente, constituído de antimatéria. penso que os sonhos são antimatéria que corroem a realidade, estando eles sempre dependentes da nossa predisposição para que tal se verifique. hoje o dia foi apenas tempo, nem doce, nem amargo, nem nada.
depois do almoço, um cigarro. outro, outro, outro: o tempo. é frequente, em dias como este, ler o poema Tabacaria. devagar, a acompanhar o vazio daquele quarto distante, a reflectir sobre a metafísica implícita nos paralelos das ruas; a observar os corpos que se cruzam nos passeios, as suas consequentes sombras a seguirem-nos; a assistir enquanto eu – ser impossível – retiro meticulosamente a máscara, a pensar que não quero que o espelho me mostre velho; a acenar, com o peso da minha mão a mostrar-se leve, ao Esteves que sai da Tabacaria. ele sorri. o poema acaba ali, mas permaneço nele durante mais algum tempo, contabilizado pelo relógio da sala, defronte para mim, tão longe. penso que nos é permitido descansar no colchão irregular de um poema.
depois, depois do depois, esse momento impreciso, reparei que já não tinha tabaco. curioso. liguei a televisão, tentando abstrair-me desse facto concreto: dois cigarros no maço. não chegam, tal como não chega ligar a televisão e acreditar, esperar, que por alguma razão os meus olhos, os meus pensamentos sejam capturados, como nativos desprovidos da sua natural rebeldia. as notícias falam de fogo em Atenas, as imagens mostram fogo em Atenas. um banco a arder, lojas a arder, jovens protestantes gritando chamas que incendeiam o tempo que corre em Atenas. pensamentos. só tenho dois cigarros. troquei de casaco, peguei nas chaves e em algumas moedas – o euro, ridículo como nunca antes.
o quiosque fica junto à praia, fica junto à possibilidade de olhar o infinito, fica junto a um local onde por vezes me encontro. no carro, senti calma, senti o silêncio a tocar os meus pensamentos dispersos. Atenas fica tão longe daqui. algum tempo volvido até o momento em que desligo o motor, em que saio do carro, em que tranco as portas, em que retiro as moedas do bolso, em que entro no quiosque, em que a luz se acende, em que compro o tabaco – está certo. obrigado! -, em que inverto o meu sentido, em que quase retrocedo todos estes momentos. o céu começava, naquele instante, a espalhar a noite de domingo. o frio necessário a um dia de fevereiro já cá estava. a noite prestes a desabar sobre o mar. ele aceitando, conformado, as trevas, o sono que chegará no momento em que acabar de escrever este texto. mas esse momento ainda não tinha chegado e ainda também não chegou, pois, tal como se pode verificar, ainda existe mais um parágrafo.
regresso a casa. a lareira acesa. longe, Atenas está em chamas. tiro o casaso e retiro, do seu bolso, o maço de tabaco. sento-me no sofá, fumo um cigarro e, enquanto isto, volto a acenar. pareceu-me ter visto o Esteves.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

é como se fosse




gostava de te dizer tantas palavras que não consigo.
conheço-lhes o significado, tal como a sua grafia,
estou até ciente, de forma vaga, das suas proporções,
dos seus  prós e dos seus contras. consigo , imagina só,
ouvir-me a pronunciá-las no meu pensamento,
mas a voz prende-se. não me culpes.

no fundo, julgo que sabes, tal como eu sei os teus olhos,
tal como tu sabes de cor as palavras que não vou dizer.
valem tão pouco. isto pode não ser um poema para ti,
não é um poema para ti, não era suposto ser
e sei que não preciso explicar-te muito mais.

(sempre leste tão bem nas minhas entrelinhas.)

por qual razão haveria de redigir um poema e falar-te de ti?
tu conheces-te, normal, embora nem sempre acredites que sim;
tu conheces-me, banal, embora nem sempre saibas de mim.

somos assim.
ainda pensas que te deveria escrever um poema ou um postal?

                ambos amamos demasiado os nossos silêncios,
o mundo não entende por que escondemos as palavras,
por que optamos pelo dilema de sermos nós próprios.

(não, não valeria a pena tentar explicar isto ao mundo.)

neste momento sei que estamos aqui os dois,
a tremer com a possibilidade de outros lerem isto,
envergonhados, presos num segundo derradeiro.

(queremos falar, mas não sabemos nem o que dizer.)

silêncio agridoce. tu sabes por que desisto. improviso:

- tens isqueiro?
- não, apenas fósforos.

é como se fosse.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

rasga, deita fora



há alguns dias que não escrevo nada. as ideias foram passando, desprovidas de palavras. como fotografias, como miragens, como esboços, como ideias livres, antes de serem forjadas. foram algumas as vezes em que, ao longo destes últimos dias, tempo a passar, tentei escrever alguma coisa. mas faltaram as palavras, abundou o branco, sobrou tempo.
e esse tempo foi longo, expandido pelo meu medo, pela minha sensação de inércia. por vezes, tenho medo de que a eternidade exista, contra todas as minhas estimadas probabilidades, e que esta fome de palavras me acabe por queimar, como um incêndio de fogo brando. mas hoje, o sol, generoso, a evaporar as minhas certezas húmidas, as minhas incertezas frias. nos últimos dias choveu, algo perfeitamente compreensível e expectável, estamos em janeiro. se a chuva fosse boa não cairia do céu. penso nisto durante um instante, depois, depois continuo a pensar, a esperar. convenço-me de novo que a eternidade não existe, esta mudança climatérica prova isso mesmo, e, por isso, percebo também que as letras grafadas em Times New Roman, tamanho 12, voltarão a polvilhar o meu pensamento. confesso, sentir-me-ei bem nesse momento. e esse não será nenhum acto divino, esse momento será apenas a minha tomada de posse deste corpo, destas mãos com que agora escrevo este texto. bastará esperar por mim.
este tempo é como a chuva, embora hoje esteja sol, e, repito: se a chuva fosse boa não cairia do céu. eu sei que qualquer agricultor poderá desmentir isto, chamar-me nomes e rasgar, ou queimar, estas palavras. a sua indignação a dizer o meu nome. sentirá vontade de apontar ao meu rosto uma lista com mais de mil utilidades e benefícios da chuva. uma lista, sim, coisa importante e solene. eu poderei ler essa lista, por certo que o farei. eu respeitarei as suas razões, mas manterei a minha opinião. repito: se a chuva fosse boa não cairia do céu. dizem que sou teimoso.
ontem encontrei deus num qualquer lugar, no hipermercado, no talho, no café, numa casa de banho pública, num qualquer lugar. sentimos o embaraço causado por essa casualidade da vida. foi um momento altamente pesado, quase suor. o nosso desconforto manifestou-se através dos nossos pensamentos, mas nunca através dos nossos rostos. acredito que ocorreram terramotos interiores ao nosso corpo, relâmpagos a fazerem-nos tremer de medo, como crianças ingénuas que ignoram as baixas probabilidades de serem atingidas por um raio. cumprimentámo-nos, somos dois seres minimamente bem-educados. aquelas palavras, olá, olá, disseram muito pouco acerca daquilo que somos. corremos até o risco de, neste momento, quem nos lê, achar que somos ou fomos hipócritas. sim, existe essa probabilidade, existem outros milhares de milhões de possibilidades, tantas como pessoas. porque cada pessoa é uma mão distinta, com linhas, marcas e pele diferentes, cada pessoa é individual, excepto claro os deputados de um mesmo partido, excepto claro os padres, excepto claro os agentes imobiliários, excepto claro os banqueiros, excepto claro os hippies, excepto claro os arrumadores, excepto claro quase todos nós. agora que reparo, embora sejamos diferentes, somos todos bastante semelhantes. esqueçam a minha penúltima frase. assim sendo, pelo comportamento de manada, corremos o sério risco de sermos chamados de hipócritas, mas isso é algo que não nos incomoda muito. tu, deus, poderás sempre lançar pragas sobre todos esses, poderás provocar terramotos.
durante o tempo em estivemos um perante o outro houve gaguez, manifestação do nosso embaraço, presente no nosso discurso. o tempo esteve suspenso, anulado. tu falaste primeiro, dei-te essa honra, nunca gostei de iniciar discussões. a sua voz, deves-me um pedido de desculpa!, a minha a reagir quase autónoma, tu também! depois o silêncio a cobrir aquelas palavras, a diluir o nosso rancor. passou tempo e, finalmente, contra todas as probabilidades, sorrimos. nesse momento tivemos a percepção de que poderíamos argumentar, agredir-nos, tentar empatar um jogo em que ambos pensávamos estar a perder, mas nada disso valia a pena. somos dois casos perdidos, mas apesar disso respeitamo-nos.
acredita! no fundo, eu não te responsabilizo totalmente pelo que perdi, bem sei que sempre tive as competências necessárias para o conseguir sozinho. não te culpabilizo totalmente por todas as mortes que te foram associadas ao longo dos tempos, pois tu não tens braços, nem lanças, nem aviões, nem bombas de hidrogénio. tudo o que tens foi imaginado e escrito por nós, por isso nós somos, em última análise os principais responsáveis. as nossas ilusões, os nossos medos, a nossa noção do tempo e consequente desejo da eternidade fizeram-te. escreveu-se tanto sobre ti, mas também não tens culpa disso. não acho que queiras fama, até porque nunca te deixaste fotografar. poderias ser capa de revistas cor-de-rosa se quisesses, poderias dar entrevistas e poderias entrar em reality shows, mas isso nunca sucedeu. penso que nisso estiveste bem.
isto que escrevi agora, não lhe disse a ele, não quero que saiba disto. porque a soberba existe, porque a soberba existe. se algum de vocês, à noite, enquanto reza, lhe contar o que acabei de escrever e, um dia, ele me confrontar com isto, eu negarei. porque a mentira existe, porque a mentira existe. estávamos ainda envoltos em silêncio quando alguém o chamou. disse-me que tinha de ir. apertámos as mãos. tudo de bom!, tudo de bom! e depois, depois, houve tempo a passar novamente.
nada disto sucedeu realmente, e este texto não conta oficialmente, por duas razões que passo a explicar. ao ter imaginado aquele encontro menti-vos, em primeiro lugar, mas a mentira existe, a mentira existe; em segundo lugar, em certa medida, este texto caiu do céu, então, logicamente, e para me manter coerente, não pode ser coisa boa.
rasga, deita fora.
é só continuar a esperar. a eternidade não existe, a eternidade não existe.

 "As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras." Friedrich Nietzsche

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O Tasco



O Tasco. chamamos-lhe O Tasco.
o pequeno e antigo centro comercial, onde já ninguém compra nada, com o tempo a fazer-se notar através do pó nas vitrinas, fica perto da escola, fica perto do tribunal, fica perto do hospital, fica perto da igreja, fica perto do silêncio. o silêncio. o silêncio que se alastra também no pequeno café, no rés-do-chão do velho centro comercial.
o ar sossegado misturado com o fumo dos cigarros que fumamos naquele pequeno espaço. podemos fumar lá, e, também por isso, íamos e vamos para lá. o café sombrio, o sr. Arlindo, normalmente ocupado a ler o Jornal de Notícias, boa tarde, é um café, o espaço a iluminar-se de sossego. tiramos os casacos, quando é inverno, ou pousamos as mochilas, com toalhas de praia dobradas dentro delas, e penduramos, ora uma coisa ora outra, sempre nas cadeiras. o silêncio. o sr. Arlindo a trazer o café. obrigado.
o tempo a passar lá fora. pode ser o sol ou a chuva a bater nos paralelos de granito das ruas, mas não os distinguimos de forma nenhuma, apenas pelo casaco ou pela mochila que se pousa na cadeira. o tempo lá fora.
encontramo-nos sempre lá: nós com os outros ou nós connosco próprios, dependendo dos dias, das horas, das impossibilidades. encontramo-nos sempre, encontramo-nos sempre. quando sozinho, pego no meu bloco onde escrevo e escrevo, com o braço pousado na mesa e com o café, sempre curto, com o cinzeiro, sempre cheio, e com a caixa dos guardanapos, que previamente afasto, sempre a meu lado. o tempo a passar lá fora.
quando estamos todos, o silêncio não existe, apenas em alguns momentos em que jogamos bilhar. noutras mesas, outras conversas sucedem-se e cruzam-se com as nossas. a televisão ligada a que ninguém dá grande importância. os telemóveis sem rede: tão bom. «ele disse que passava por cá!» o tempo a passar lá fora.
o tempo exterior tem um passo mais acelerado do que o tempo deste café. aqui a eternidade poderia existir, não fosse estar um relógio pendurado na parede, há muito tempo, desde que me lembro de aqui entrar. talvez ali permaneça eternamente.

o Sol também existe na Lua




o sol existe. a lua. a noite recheada de estrelas sangrando luz.
escrevo. penso enquanto escrevo. paro. o tempo passa. pára!
tu também existes nestas palavras, nesta noite que me seduz.

desejo a eternidade, não tenho todas as palavras agora. tu,
de tamanho, causas e efeitos impossíveis existes. palavra.
és a palavra concreta, ainda a nu, que se distingue. leio-te.
és a verdade sem provas que nega os meus passos. creio-te.

o brilho do teu significado trago-o na lembrança, a quente,
como o sol que aquece os corpos em agosto e os incendeia.
a mudança de estação é cruel para a nossa noção do tempo,
mas existe. pára! estes motivos, pode ser que alguém os leia.

o teu corpo existe. longe. podes estar a dormir, podes estar a rir,
podes estar a fazer  mil e uma coisas e, algumas, não as imagino.
resides nos meus pensamentos, nas possibilidades, nesta noite.

o Sol existe também na Lua. absorvo-a, sou a Lua
com a luz esbatida no rosto.
sei a posição do Sol. sei que existes. és a palavra.
és vida, és eterna, és agosto.