Páginas
domingo, 26 de fevereiro de 2012
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
a triste sina de não termos sido ciclistas
é
preciso saber seguir em frente e assumir que o mundo é açúcar.
(mesmo
quando a queda dista dois passos?) sim, é necessário,
tal
como a água, tal como o sol. (porquê?) porque cair faz parte,
como
quando aprendeste a andar de bicicleta. não te lembras?
poderias
ser ciclista se quisesses. poderás ser o que hoje ignoras.
(a
que horas será isso?) não sei, vai andando. o Tempo é veloz.
também
ele poderia ter sido ciclista, não fosse esta a tua natureza.
exausto,
cansado das tuas tretas, ele vai correndo, olhando para ti
enquanto
molhas a roupa à chuva, enquanto te queimas. é bom!
(quem?
o tempo?) não! molhares-te e queimares-te todo!
tens
cada uma…
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
o meu subconsciente come bifanas em roulottes
estúpido!
és tão estúpido! pára lá de escrever esta merda, estás-me a irritar. é como se
me estivesses a fotografar constantemente, de diversos ângulos, com diferentes
exposições de luz. flash, flash, flash.
é a última vez que te digo: pára!
consegues ser tão chato quando
queres, és mesmo bom nisso, acredita, és mesmo bom nisso. porque é que me
procuras em todos estes textos que vais escrevendo, que amontoas numa gaveta
sombria ou no sossego do teu esquecimento? não percebes que não sou feito de
palavras? não, tu não compreendes nada de nada. qual é a filosofia que
encontras nos carris do metro? qual é a verdade que encontras nos olhos da
rapariga que te está a perguntar as horas? pára lá de escrever esta merda,
responde-lhe! (são cinco e cinco.) custou-te alguma coisa? qual é arte que
encontras nas mãos das pessoas? responde-me, estou a falar contigo. (eu é que
sei.) estamos a falar só os dois, podes explicar-me. pára lá de escrever esta
porcaria! responde-me, gasta palavras.
(não valeria a pena tentar explicar-te.)
porquê? achas-me estúpido? sei muitas coisas que tu não sabes, que não precisam
de palavras para existir. (acredito que sim.) não duvides disso, as pessoas
sabem imensas coisas que tu não sabes, elas nem precisam de as procurar nos
carris do metro, nem nos olhos de uma rapariga que não conhecem, nem nas mãos
de outras pessoas, indiscriminadamente seleccionadas, nem em nada. essas
pessoas existem dentro dos seus corpos, dentro daquilo que vês e a que tiras
fotografias. (o quê? estás-me a falar de almas? não me fodas!)
podes dizer palavrões? sempre pensei
que não pudesses. adiante, o mundo não é apenas aquilo que podes ver, que podes
escrever. se continuares a acreditar nisso esta discussão será eterna. (a
eternidade não existe.) pois não, não existe, nisso tens razão. queria só que
te relembrasses disso mesmo, para que não percas mais tempo com isto. espero
que entendas, não te digo isto por mal, não quero que te ofendas. às vezes
precipito-me, não tenho de ser coerente como tu, não tenho de pensar na métrica
das frases como tu. de resto, não percebo nada acerca da métrica. o que é a
métrica? (noutra altura eu explico-te. prometo)
ultimamente temos passado demasiado
tempo a discutir, desculpa. (não tem importância.) porque é que nunca me olhas
nos olhos? (porque nunca paras quieto.) porque é que me procuras tanto? (porque
tu insistes em fugir-me.) não me leves a mal, mas não tenho paciência para
ficar ao teu lado enquanto escreves, enquanto olhas o mar, enquanto fumas um
cigarro sozinho, enquanto dormes, ou enquanto fazes sexo. há tanto mundo lá
fora. (eu sei. traz-me um pouco sempre que saíres.)
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
chamas e a noite a desabar na praia
hoje
não fiz nada de relevante que mereça este gasto de palavras. domingo,
fevereiro, vento polar. quando acordei já era tarde – mas tarde para quê?,
afinal de contas, enquanto dormia, eu tinha consciência de que hoje o dia
seria, maioritariamente, constituído de antimatéria. penso que os sonhos são
antimatéria que corroem a realidade, estando eles sempre dependentes da nossa
predisposição para que tal se verifique. hoje o dia foi apenas tempo, nem doce,
nem amargo, nem nada.
depois
do almoço, um cigarro. outro, outro, outro: o tempo. é frequente, em dias como
este, ler o poema Tabacaria. devagar, a acompanhar o vazio daquele quarto
distante, a reflectir sobre a metafísica implícita nos paralelos das ruas; a
observar os corpos que se cruzam nos passeios, as suas consequentes sombras a
seguirem-nos; a assistir enquanto eu – ser impossível – retiro meticulosamente
a máscara, a pensar que não quero que o espelho me mostre velho; a acenar, com
o peso da minha mão a mostrar-se leve, ao Esteves que sai da Tabacaria. ele
sorri. o poema acaba ali, mas permaneço nele durante mais algum tempo,
contabilizado pelo relógio da sala, defronte para mim, tão longe. penso que nos
é permitido descansar no colchão irregular de um poema.
depois,
depois do depois, esse momento impreciso, reparei que já não tinha tabaco.
curioso. liguei a televisão, tentando abstrair-me desse facto concreto: dois
cigarros no maço. não chegam, tal como não chega ligar a televisão e acreditar,
esperar, que por alguma razão os meus olhos, os meus pensamentos sejam
capturados, como nativos desprovidos da sua natural rebeldia. as notícias falam
de fogo em Atenas, as imagens mostram fogo em Atenas. um banco a arder, lojas a
arder, jovens protestantes gritando chamas que incendeiam o tempo que corre em
Atenas. pensamentos. só tenho dois cigarros. troquei de casaco, peguei nas
chaves e em algumas moedas – o euro, ridículo como nunca antes.
o
quiosque fica junto à praia, fica junto à possibilidade de olhar o infinito,
fica junto a um local onde por vezes me encontro. no carro, senti calma, senti
o silêncio a tocar os meus pensamentos dispersos. Atenas fica tão longe daqui.
algum tempo volvido até o momento em que desligo o motor, em que saio do carro,
em que tranco as portas, em que retiro as moedas do bolso, em que entro no
quiosque, em que a luz se acende, em que compro o tabaco – está certo.
obrigado! -, em que inverto o meu sentido, em que quase retrocedo todos estes
momentos. o céu começava, naquele instante, a espalhar a noite de domingo. o frio
necessário a um dia de fevereiro já cá estava. a noite prestes a desabar sobre
o mar. ele aceitando, conformado, as trevas, o sono que chegará no momento em
que acabar de escrever este texto. mas esse momento ainda não tinha chegado e
ainda também não chegou, pois, tal como se pode verificar, ainda existe mais um
parágrafo.
regresso
a casa. a lareira acesa. longe, Atenas está em chamas. tiro o casaso e retiro,
do seu bolso, o maço de tabaco. sento-me no sofá, fumo um cigarro e, enquanto
isto, volto a acenar. pareceu-me ter visto o Esteves.
domingo, 12 de fevereiro de 2012
é como se fosse
gostava de te dizer tantas
palavras que não consigo.
conheço-lhes o significado,
tal como a sua grafia,
estou até ciente, de forma
vaga, das suas proporções,
dos seus prós e dos seus contras. consigo , imagina
só,
ouvir-me a pronunciá-las no
meu pensamento,
mas a voz prende-se. não me
culpes.
no fundo, julgo que sabes, tal
como eu sei os teus olhos,
tal como tu sabes de cor as
palavras que não vou dizer.
valem tão pouco. isto pode não
ser um poema para ti,
não é um poema para ti, não
era suposto ser
e sei que não preciso
explicar-te muito mais.
(sempre leste tão bem nas
minhas entrelinhas.)
por qual razão haveria de
redigir um poema e falar-te de ti?
tu conheces-te, normal, embora
nem sempre acredites que sim;
tu conheces-me, banal, embora
nem sempre saibas de mim.
somos assim.
ainda pensas que te deveria
escrever um poema ou um postal?
ambos
amamos demasiado os nossos silêncios,
o mundo não entende por que
escondemos as palavras,
por que optamos pelo dilema de
sermos nós próprios.
(não, não valeria a pena tentar
explicar isto ao mundo.)
neste momento sei que estamos
aqui os dois,
a tremer com a possibilidade
de outros lerem isto,
envergonhados, presos num
segundo derradeiro.
(queremos falar, mas não
sabemos nem o que dizer.)
silêncio agridoce. tu sabes
por que desisto. improviso:
- tens isqueiro?
- não, apenas fósforos.
é como se fosse.
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
rasga, deita fora
há
alguns dias que não escrevo nada. as ideias foram passando, desprovidas de
palavras. como fotografias, como miragens, como esboços, como ideias livres,
antes de serem forjadas. foram algumas as vezes em que, ao longo destes últimos
dias, tempo a passar, tentei escrever alguma coisa. mas faltaram as palavras,
abundou o branco, sobrou tempo.
e
esse tempo foi longo, expandido pelo meu medo, pela minha sensação de inércia. por
vezes, tenho medo de que a eternidade exista, contra todas as minhas estimadas
probabilidades, e que esta fome de palavras me acabe por queimar, como um
incêndio de fogo brando. mas hoje, o sol, generoso, a evaporar as minhas
certezas húmidas, as minhas incertezas frias. nos últimos dias choveu, algo
perfeitamente compreensível e expectável, estamos em janeiro. se a chuva fosse
boa não cairia do céu. penso nisto durante um instante, depois, depois continuo
a pensar, a esperar. convenço-me de novo que a eternidade não existe, esta
mudança climatérica prova isso mesmo, e, por isso, percebo também que as letras
grafadas em Times New Roman, tamanho
12, voltarão a polvilhar o meu pensamento. confesso, sentir-me-ei bem nesse
momento. e esse não será nenhum acto divino, esse momento será apenas a minha
tomada de posse deste corpo, destas mãos com que agora escrevo este texto.
bastará esperar por mim.
este
tempo é como a chuva, embora hoje esteja sol, e, repito: se a chuva fosse boa
não cairia do céu. eu sei que qualquer agricultor poderá desmentir isto,
chamar-me nomes e rasgar, ou queimar, estas palavras. a sua indignação a dizer
o meu nome. sentirá vontade de apontar ao meu rosto uma lista com mais de mil
utilidades e benefícios da chuva. uma lista, sim, coisa importante e solene. eu
poderei ler essa lista, por certo que o farei. eu respeitarei as suas razões,
mas manterei a minha opinião. repito: se a chuva fosse boa não cairia do céu.
dizem que sou teimoso.
ontem
encontrei deus num qualquer lugar, no hipermercado, no talho, no café, numa
casa de banho pública, num qualquer lugar. sentimos o embaraço causado por essa
casualidade da vida. foi um momento altamente pesado, quase suor. o nosso
desconforto manifestou-se através dos nossos pensamentos, mas nunca através dos
nossos rostos. acredito que ocorreram terramotos interiores ao nosso corpo,
relâmpagos a fazerem-nos tremer de medo, como crianças ingénuas que ignoram
as baixas probabilidades de serem atingidas por um raio. cumprimentámo-nos,
somos dois seres minimamente bem-educados. aquelas palavras, olá, olá, disseram
muito pouco acerca daquilo que somos. corremos até o risco de, neste momento,
quem nos lê, achar que somos ou fomos hipócritas. sim, existe essa probabilidade,
existem outros milhares de milhões de possibilidades, tantas como pessoas.
porque cada pessoa é uma mão distinta, com linhas, marcas e pele diferentes,
cada pessoa é individual, excepto claro os deputados de um mesmo partido,
excepto claro os padres, excepto claro os agentes imobiliários, excepto claro os
banqueiros, excepto claro os hippies,
excepto claro os arrumadores, excepto claro quase todos nós. agora que reparo,
embora sejamos diferentes, somos todos bastante semelhantes. esqueçam a minha
penúltima frase. assim sendo, pelo comportamento de manada, corremos o sério
risco de sermos chamados de hipócritas, mas isso é algo que não nos incomoda
muito. tu, deus, poderás sempre lançar pragas sobre todos esses, poderás
provocar terramotos.
durante
o tempo em estivemos um perante o outro houve gaguez, manifestação do nosso
embaraço, presente no nosso discurso. o tempo esteve suspenso, anulado. tu
falaste primeiro, dei-te essa honra, nunca gostei de iniciar discussões. a sua
voz, deves-me um pedido de desculpa!, a minha a reagir quase autónoma, tu
também! depois o silêncio a cobrir aquelas palavras, a diluir o nosso rancor.
passou tempo e, finalmente, contra todas as probabilidades, sorrimos. nesse
momento tivemos a percepção de que poderíamos argumentar, agredir-nos, tentar
empatar um jogo em que ambos pensávamos estar a perder, mas nada disso valia a
pena. somos dois casos perdidos, mas apesar disso respeitamo-nos.
acredita!
no fundo, eu não te responsabilizo totalmente pelo que perdi, bem sei que
sempre tive as competências necessárias para o conseguir sozinho. não te
culpabilizo totalmente por todas as mortes que te foram associadas ao longo dos
tempos, pois tu não tens braços, nem lanças, nem aviões, nem bombas de
hidrogénio. tudo o que tens foi imaginado e escrito por nós, por isso nós
somos, em última análise os principais responsáveis. as nossas ilusões, os
nossos medos, a nossa noção do tempo e consequente desejo da eternidade
fizeram-te. escreveu-se tanto sobre ti, mas também não tens culpa disso. não
acho que queiras fama, até porque nunca te deixaste fotografar. poderias ser
capa de revistas cor-de-rosa se quisesses, poderias dar entrevistas e poderias
entrar em reality shows, mas isso
nunca sucedeu. penso que nisso estiveste bem.
isto
que escrevi agora, não lhe disse a ele, não quero que saiba disto. porque a
soberba existe, porque a soberba existe. se algum de vocês, à noite, enquanto
reza, lhe contar o que acabei de escrever e, um dia, ele me confrontar com
isto, eu negarei. porque a mentira existe, porque a mentira existe. estávamos
ainda envoltos em silêncio quando alguém o chamou. disse-me que tinha de ir.
apertámos as mãos. tudo de bom!, tudo de bom! e depois, depois, houve tempo a
passar novamente.
nada
disto sucedeu realmente, e este texto não conta oficialmente, por duas razões
que passo a explicar. ao ter imaginado aquele encontro menti-vos, em primeiro
lugar, mas a mentira existe, a mentira existe; em segundo lugar, em certa
medida, este texto caiu do céu, então, logicamente, e para me manter coerente,
não pode ser coisa boa.
rasga,
deita fora.
é
só continuar a esperar. a eternidade não existe, a eternidade não existe.
"As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras." Friedrich Nietzsche
"As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras." Friedrich Nietzsche
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012
O Tasco
O
Tasco. chamamos-lhe O Tasco.
o
pequeno e antigo centro comercial, onde já ninguém compra nada, com o tempo a
fazer-se notar através do pó nas vitrinas, fica perto da escola, fica perto do
tribunal, fica perto do hospital, fica perto da igreja, fica perto do silêncio.
o silêncio. o silêncio que se alastra também no pequeno café, no rés-do-chão do
velho centro comercial.
o
ar sossegado misturado com o fumo dos cigarros que fumamos naquele pequeno
espaço. podemos fumar lá, e, também por isso, íamos e vamos para lá. o café
sombrio, o sr. Arlindo, normalmente ocupado a ler o Jornal de Notícias, boa tarde, é um café, o espaço a iluminar-se de
sossego. tiramos os casacos, quando é inverno, ou pousamos as mochilas, com
toalhas de praia dobradas dentro delas, e penduramos, ora uma coisa ora outra,
sempre nas cadeiras. o silêncio. o sr. Arlindo a trazer o café. obrigado.
o
tempo a passar lá fora. pode ser o sol ou a chuva a bater nos paralelos de
granito das ruas, mas não os distinguimos de forma nenhuma, apenas pelo casaco
ou pela mochila que se pousa na cadeira. o tempo lá fora.
encontramo-nos
sempre lá: nós com os outros ou nós connosco próprios, dependendo dos dias, das
horas, das impossibilidades. encontramo-nos sempre, encontramo-nos sempre.
quando sozinho, pego no meu bloco onde escrevo e escrevo, com o braço pousado
na mesa e com o café, sempre curto, com o cinzeiro, sempre cheio, e com a caixa
dos guardanapos, que previamente afasto, sempre a meu lado. o tempo a passar lá
fora.
quando
estamos todos, o silêncio não existe, apenas em alguns momentos em que jogamos bilhar.
noutras mesas, outras conversas sucedem-se e cruzam-se com as nossas. a
televisão ligada a que ninguém dá grande importância. os telemóveis sem rede:
tão bom. «ele disse que passava por cá!» o tempo a passar lá fora.
o
tempo exterior tem um passo mais acelerado do que o tempo deste café. aqui a
eternidade poderia existir, não fosse estar um relógio pendurado na parede, há
muito tempo, desde que me lembro de aqui entrar. talvez ali permaneça
eternamente.
o Sol também existe na Lua
o
sol existe. a lua. a noite recheada de estrelas sangrando luz.
escrevo.
penso enquanto escrevo. paro. o tempo passa. pára!
tu
também existes nestas palavras, nesta noite que me seduz.
desejo
a eternidade, não tenho todas as palavras agora. tu,
de
tamanho, causas e efeitos impossíveis existes. palavra.
és
a palavra concreta, ainda a nu, que se distingue. leio-te.
és
a verdade sem provas que nega os meus passos. creio-te.
o
brilho do teu significado trago-o na lembrança, a quente,
como
o sol que aquece os corpos em agosto e os incendeia.
a
mudança de estação é cruel para a nossa noção do tempo,
mas
existe. pára! estes motivos, pode ser que alguém os leia.
o
teu corpo existe. longe. podes estar a dormir, podes estar a rir,
podes
estar a fazer mil e uma coisas e,
algumas, não as imagino.
resides
nos meus pensamentos, nas possibilidades, nesta noite.
o
Sol existe também na Lua. absorvo-a, sou a Lua
com
a luz esbatida no rosto.
sei
a posição do Sol. sei que existes. és a palavra.
és
vida, és eterna, és agosto.
Subscrever:
Mensagens (Atom)