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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

este poema já acabou



a noite, o frio, o Natal, nós
separados por tão pouco, por tantas palavras que direi um dia.

o lume parado, escutando os movimentos que vou executando,
mentalmente para não te aperceberes ainda.

processo:
abrir os meus pensamentos e tirar-te de lá,
pousar-te na palma da minha mão e sentir os teus gestos,
gritar bem alto o teu nome para que saibas que estou cá,
depois de todas as fugas, cortes e manifestos.

efeito:
será outra vez o tempo a correr devagar no meio do meu corpo,
será de novo a luz a invadir-nos os olhos humanamente fechados.
o cigarro a morrer sozinho e o habitual copo cheio, distante…
não os necessito para escrever estes versos, cantados em finados.

ilação:
não direi nada disto, nada de que me possa arrepender.
trabalharei estas rimas e farei delas um poema de Natal,
com neve, fogueiras e contigo num trono escondido.

estamos tão longe, estamos tão perto.
cantamos pela noite dentro, no meu cerebral abrigo.

eu, eu que pensei poder cantar sozinho nas estradas
mas hoje, não sei por que motivo, a voz perde-se
e pede uma outra que lhe cante sonhos e rabanadas.

é a tua, só um ‘cadinho adocicada.
não pensei ver-te na rua, mas olhei pela janela.

silêncio. é Natal nas outras casas.
guardo esta miragem singela
e pego por fim no copo que ficou.

não menti. este poema já acabou.



Nota: com este poema o Meras Palavras despede-se de 2011. Obrigado por todas as leituras e comentários! Agora seguir-se-á uma breve interrupção nas publicações, até Fevereiro de 2012. Contem com novos temas para o próximo ano, esta paragem servirá para os encontrar.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

conclusão nocturna alcoolizada




podia usar tantas palavras para descrever este momento,
mas penso que pensativo e receoso lhe caem bem.
nem sei por que uso estes nomes, se o teu devo dizer. sim,
és tu outra vez, só mudaste o rosto que te define.

viver é marcar todos os dias a folha branca que nos dão,
sem o dedo dos outros. eu chamo-me eu e tu chamas-te tu.
não deixes que o nós apague as nossas moles identidades.

porém, no meio da solidão, entre nós os dois,
o meu sonho ingere o caminho para ti. engole a seco.

não! basta! fim a isto!

apago estes versos e os outros semelhantes que virão.

a folha em branco, rasgada a um canto.

vivi mais um dia - conclusão nocturna alcoolizada.


domingo, 18 de dezembro de 2011

baços na imensidão


ouçam os pássaros. ouçam os passos perdidos
de quem não tem para onde ir. escutem. parem.

olhem o silêncio nos olhos por um momento, agora,
sem medo de cair na sua imensidão.
escutem os carros parados no trânsito, o burburinho,
os motores programados, propícios à circulação…

porém estão imóveis.
a gaivota voando junto ao rio e o sol descendo
lentamente. tem tempo.

olhem a cidade. as pessoas como crianças perdidas
traçando rotas, linhas que se cruzam e prendem.
é assim a civilização. somos nós, baços na imensidão.

olhamos para nos conhecermos. vemo-nos num dia,

no outro não.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

a fome e a estagnada poesia



formam-se inúmeras palavras em meu redor
mas elas, cansadas, dizem tão pouco.
faltam-lhes as forças para serem maiores,

para quebrarem os silêncios e irem,
sem destino, para lugares sem pontuação.

também estas não são,
também estas não vão.

algumas desafiam os limites do tempo
e ficam no papel, envoltas em pó, silenciosas.
outras passam rápidas, acutilantes para nós
que sempre preferimos a estagnada poesia:
a arte de ficar a olhar sem pensar em rimar.

e os nossos pensamentos
e os nossos ouvidos surdos
e os nossos olhos mecânicos
e os nossos sentidos mais verdadeiros
são afinal serviçais primeiros da razão.

também eles tão corrompidos,
também eles de mais sorrateiros.

e o nosso consentir,
por consequência da fome velha,
matou nossos sinais mais puros.

agora mudos saltamos para a água dura
e desfazemos a figura que nela se espelha.


sábado, 10 de dezembro de 2011

foge, amor!



pensei que estavas morto, dentro do meu corpo…
como pudeste sobreviver no meu peito de pedra?

mudaste. tens outro significante,
mas és tu. és tão igual, és tão berrante.

iludo-me contigo, como uma criança que só sabe chorar.
tenho milhares de brinquedos, mas ninguém sabe brincar.

não vou, como fui antes. sou eu, separado do passado.

andas num chão tão leve, tão propício para escorregar…

eu não consigo acompanhar os teus passos na água,
a gravidade não existe para ti. és um sonho que apago!

és uma garrafa que flutua no mar!
levas para longe estas palavras que não quero.

[pausa, espero, muda-se o púlpito]

vrhum, vrhum, vrhum,vrhuuuuum! - ouve-se de súbito
a mota a cair de podre do Armindo-Coxo, que sai do café.
(da taberna, se isto não fosse um texto actual).

não pega a mula da motorizada
e o bafo a bagaço do Armindo desespera,
roga pragas à máquina sem culpa.

[demorada vai a noite noutro local]

uma prostituta vende sexo por dinheiro.
amar?! não conhece esse morfema.
está inundada pelo podre rancor.

- que fizeste a este poema? – perguntaste.

pisaste-me primeiro! foge, amor!

[se achais que poesia é torná-lo actor principal,
então chamai-me carpinteiro, trolha, industrial,
pedinte vagabundo que deambula se quiserdes.]

nestes versos poderá ser achado o amor afinal,
mas o mundo há-de levá-lo enquanto o medes.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

baixa quietude (Porto: um lugar onde o tempo anda para trás)


as pessoas sucedem-se, ora velhas, ora novas…
os passos repetem-se, ora lentos, ora rápidos,
dependendo sempre dos destinos traçados,
perfeitamente delineados com olhos cegos.

os passos repetem-se na baixa e eu parado,
fico,
assisto continuamente. calado,
observando somente. pensamentos submetidos
a um escrutínio constante, sufocante. silêncio

entre as vozes mais do que muitas, perdidas
numa imensidão mais do que imensa: é rarefeita.

as pessoas sucedem-se na baixa e eu quebrado
consinto,
não minto. sou eu, o mais direito que consigo.

visto qualquer coisa para não parecer mal
e no final ponho um sorriso qualquer.
no ar um perfume de mulher invade o vagabundo.

na esquina ele espera a moeda que não cai...

no meu canto eu escrevo um poema que não sai…

e o Porto andando sempre, não olha para ninguém.
não repara, não pára. é ele sem mim e sem ti,
se assim o quiseres.

um dia quando puderes terás na baixa quietude,
escondida sob a azáfama artificial da sociedade,
com os passos sempre tão rigorosamente contados.

verás eléctricos vazios com pessoas amiúde,
as palavras presas na língua
e versos, como estes,

desordenados.



Nota: o vídeo que tão bem pinta este poema foi idealizado e realizado pelo meu amigo Eduardo Lima.
Espero que gostem!

André B. Correia

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

alquimia



parado, preso pelo meu corpo.

já antes percorri as veias em busca do metal precioso
que tentei roubar do brilho da água. ocioso, demorado,
o tempo vagueou também por mim. desencontrados,

no fim de tudo, bebemos um copo de mágoa.
– é mais um, por favor! – disse baixo o Velho do Restelo.
estávamos cansados. estávamos nus de nós mesmos.

degelo repentino nas pontas dos meus dedos,
fios teus no escuro casaco pendurado. visto-o
e parto sem ninguém notar. saio desconfiado.

o brilho constante diante dos meus olhos
e a tua imensidão não traduzida em medidas de grandeza,
ligam à corrente o meu corpo entorpecido.

prossigo.

com destreza mato o tempo vagabundo.
corro comigo e com o Velho também.

o ar de novo. o ouro saiu do abrigo fundo.

encontrei-te. olá, PEQUENA!

não pares de brilhar. nasceu um poema.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

cabelos de cobre



I

z z z
penso em tantos momentos inexistentes
que me esqueço de te ver, de me ver a olhar.

existem tantas esquinas que te encobrem,
barreiras antigas construídas que te guardam.
o meu olhar é perdido, só tem esboços rasgados.

desencontrados nas ruas tu passas e eu olho.

por vezes esqueço-me de tudo isto
e levo-te a passear. não temos horas.
matámos todos os relógios,
todos os porteiros que nos viram passar.

somos nós. seres derradeiros.
projectos múltiplos por firmar
para os quais nunca olhaste. executas sem chorar.

II

ACORDO. volto a pensar. cenários forasteiros.
já passaste com os teus pés imaginários,
ao ritmo dos automóveis e do riso dos banqueiros.


fico, com os nossos códigos binários.
segues como só tu sabes. CEGAS O MUNDO.

máquina! máquina! máquina!

de superfície metalizada, cabelos de cobre e olhos carregados
avanças ignorando os cadáveres daqueles por natureza mortos.

LEVAS O MUNDO CONTIGO! e eu sigo,
ainda que a olhar…ainda que por vezes me esqueça.