Garçon, tenho o copo das premissas vazio… traga-me
Índias,
fale-me de história, da ilustre sina dos escravos
que agora somos nós, que agora, derradeiramente,
sou eu.
encha-me o copo, por favor! a ciência recusa-se
e deus já se deitou, cansado da criação
e da poesia da maquinaria de guerra. traga-me um
dos pólos,
tanto me faz, pretendo meramente sitiar um dos
extremos
e assim contemplar o avanço da primavera sobre o
gelo.
mas só quando todos se forem embora na sua
migração nocturna
para [onde?]
casa. trópicos de solidão
onde preservamos bem vincado o ilustre contrato
social.
é sobretudo a horas tardias que eu mais amo a
Humanidade,
apenas porque a imagino outra, num sem número de
possibilidades.
Garçon, tenho o copo das ilusões vazio… traga-me
dias,
fale-me da criança que fui, confeccione um país
que me mate a fome,
sem os holofotes da mentira, e deite sobre ele o
velho que serei.
o jornal condene-o à fogueira. a actualidade a
crepitar: desejo antigo
de alguém a quem o tempo fez nascer com
propósitos
la ten tes.
Garçon, tenho o copo das emoções partido…
traga-me um poço novo,
mas retire-lhe o encanto que desperta a coragem
suprema dos suicidas,
quero apenas sorver a espuma de um amor-cerveja
sem ter de reter no palato o seu trago agridoce.
Garçon, quando me trouxer alguma coisa, sorria
e diga que sou o maior artista vivo. não sinta.
minta apenas.
ah, somos tão bons a fazê-lo! como um clã de
famintas hienas
desdenhando os abutres que voam mais alto sobre a
carcaça dos sonhos
e dos pensamentos mais ocultos e surdos que agora
se definham
como galáxias próximas num universo morto,
como barcos roubados de uma frota no porto.
Garçon, tinha aqui um copo vazio de Tudo… quem mo
encheu de Nada?