Na rua de minha casa, onde vivo eu, a
minha mãe, o meu pai e o meu gato Peixoto, passam todos os dias dezenas de
peregrinos. Vão para Santiago e são quase todos estrangeiros. Por vezes passam
grupos extensos, constituídos por pessoas que se conhecem ao longo do percurso
e que falam idiomas distintos e exóticos. Por vezes passam famílias inteiras,
com crianças ainda pequenas, que caminham entusiasmadas. Outras vezes, mais
raras, passa alguém solitário, porque cada um define o seu próprio trilho sobre
o mundo.
Quase
todos param em frente à varanda do meu quarto para tirar algumas fotografias.
Acham bonitos os vasos com flores que a minha mãe lá tem e que eu às vezes,
quando chego a casa com os copos, uso como cinzeiros e que o Peixoto
frequentemente confunde com a caixa da areia.
O
meu vizinho do lado, que controla diariamente todas as movimentações que se
sucedem nesta pacata rua, mete conversa com eles. Dá-lhes algumas indicações em
português, intercaladas com muitos gestos. Eles não percebem o meu vizinho, mas
sorriem e depois seguem quase sempre pelo caminho errado. A compreensão, por
vezes, é um bocado burra.
Os
que caminham sozinhos não tiram fotografias nem perguntam nada. Seguem
simplesmente. Hoje, ao sair de casa, vi caído em frente ao meu portão um maço
de tabaco japonês. Pertencia, por certo, a um desses muitos peregrinos que por
aqui passam todos os dias. Num século de santos desacreditados, um volume de
Marlboro na mochila dá sempre jeito.
Nunca
gostei muito de plantas nem do meu vizinho. Estão sempre parados no mesmo
sítio. São um aborrecimento. As plantas a enfeitar a minha varanda e o meu
vizinho a tentar fazer o mesmo ao portão de casa dele.
Gosto
mais dos peregrinos porque andam pelo mundo. Gosto ainda mais da minha mãe, do
meu pai e do Peixoto porque andam dentro de mim. Não lhes tiro muitas
fotografias. Não tiro fotografias a quase nada, porque, de certa forma, eu
também sou um desses caminhantes que passam sozinhos por casas indiscriminadas.
Escrevi
este texto deitado, enquanto não descubro continentes novos. Até os mares
lunares estão há muito cartografados. A minha mãe está lá fora a tratar dos
vasos. O meu pai está em França e liga todos os dias. Falamos sobre o Benfica e
sobre outras coisas. O Peixoto está deitado ao meu lado, porque também não vai
muito à bola com o meu vizinho e a minha mãe zanga-se com ele quando encontra cócó nos plantas.