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sexta-feira, 1 de maio de 2015

Balada para Leopold Bloom


deixei todos os mapas herdados abertos sobre a mesa
onde ainda ontem lá comeram protótipos de cavalos livres
onde em tempos discutimos a infância dos deuses ao serão
em que bebíamos licores e esboçávamos em guardanapos
plantações solares para colher relógios

agora recolho os mapas
vendo a mesa  vendo a casa
e nada meu há-de ficar para além dos segredos
que as paredes sustentam colados ao tecto onde reinam aranhas
que no seu canto reproduzem em quantidades industriais
teorias conceptuais do medo
calafrios que se infiltram nas entranhas da mente
e através das veias correm
como crianças impacientes
brincando solitárias à apanhada

agora recolho os mapas
e finjo não suspeitar da inutilidade dos pontos cardeais
pergunto numa língua estrangeira o paradeiro da fortuna
e um mar vazio de ideais apresenta-me a deriva
onde náufragos numa duna cantam em uníssono
uma balada para Leopold Bloom

a casa foi vendida
e até foi por bom preço
é estranho haver gente que não se importe ou repugne
de viver onde ainda habitam as memórias de outros

para mim isso não dava
eu sei lá se tu tens um passado asseado

é mesmo estranho
tal como é estranho haver gente
dentro e fora de mim

bem vistas as coisas
eu próprio sou uma casa
uma residencial sem gerente e de segunda categoria
onde a contradição sobrevive
em regime de pensão completa



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