Páginas

segunda-feira, 30 de julho de 2012

veias de ferro

seria mais simples escrever um poema.
nos últimos três dias tem estado sol. janeiro atípico.

no Porto podes ver-me cruzando o Douro
e podes ver a nébula, que faz parte da fachada da Ribeira.

cinzento.

podem não existir as condições de luz propícias para se escrever um poema,
podem as gaivotas explodir nos céus e sumir-se a esperança de um voo livre,
podem as pessoas esquecerem-se das ruas, do passe do autocarro e de mim,
podem as letras torcerem-se agora e negarem tudo isto que acabo de dizer,

mas penso que tu sabes quem sou e o que significo.

seria mais simples escrever um poema,
até porque nos últimos três dias  fez sol.
mas atenta:

Eiffel fez-me com veias de ferro.


sábado, 28 de julho de 2012

não me deixaram ser bué de louco



nunca tive a oportunidade, a sorte, de responder a um questionário. é certo que com catorze anos tinha cara de cu, usava camisas de flanela e ainda jogava ao berlinde. mas eu tinha gostado. a sério, acreditem, eu tinha gostado.
            é frequente pensar-se que as redes sociais surgiram com a internet, assim como assim também ainda há gente que acredita que a Eva foi criada com uma costela do Adão e com barro q.b. não creio!
estávamos talvez em 2005, e eu estava a entrar na fase das espinhas, já tinha buço, disso lembro-me com especial orgulho, quando, ainda sem necessitar de internet  para nada, o pessoal lá da escola começou a interligar-se. não era necessário criar uma conta, definir uma password com letras e números à mistura, salgalhada total, para alguém entrar em contacto com a comunidade. bastava um caderno daqueles de capa preta: os míticos Ambar.
            cada um tinha o seu servidor, o seu próprio caderno, que podia muito bem ser confundido com um outro qualquer, de Ciências da Natureza ou Formação Cívica. até por esse aspecto, essa boa camuflagem entre o restante material escolar, se tratava de um método bastante mais eficaz do que, por exemplo, o Facebook. se a mãe, ou pai, entrasse no quarto e perguntasse ao miúdo problemático o que estava a fazer, ele poderia dizer que estava a estudar. o caderno dava-lhe credibilidade para tal afirmação. fora de casa, dava-lhe estatuto. tratava-se de uma ferramenta elementar na construção da personalidade de qualquer jovem da minha idade.
            para aqueles que não sabem do que raio estou a falar, ou para aqueles que, como eu, nunca tiveram a oportunidade de responder ou nem de vislumbrar um questionário, eu passo a explicar do que se tratavam. nota: eu vi vários, cheguei até a ler alguns, depois de deixar copiar algum colega indiscriminado no teste de História. eu pedia, deixa-me ler o teu questionário, e eles, por gratidão, iam deixando. uma vez também pedi a uma menina para lhe ver o umbigo, mas ela não deixou. voltemos ao assunto. o processo começava na escolha de um desses cadernos que já referi, limpo e digno para tal efeito, não podia ter vincos, pelo menos no início. depois, quando terminado, até poderia ter manchas de fluídos esbranquiçados semelhantes a sabonetes líquidos. era perfeitamente normal, as últimas perguntas eram normalmente bastante íntimas, o que fazia com que as pessoas que estavam a responder ao questionário não resistissem a ler as respostas daqueles que as precederam. por vezes acontecia, era normal! no tempo dos meus avôs dizia-se que a masturbação causava cegueira. mas um povo que era forçado a estar calado, a controlar os pensamentos e a ouvir missas em latim não se deveria importar grande coisa em não poder enxergar a miséria perpétua que o rodeava. que se dane, deveriam pensar os nossos antepassados. comia-te, era o que pensava alguém, meu contemporâneo, enquanto lia as respostas dadas ao questionário por outro alguém.
a próxima etapa era a mais determinante de todas e consistia em escrever uma série de perguntas logo nas primeiras páginas. as perguntas variavam entre as cinquenta e as cem e escalavam progressivamente na sua taxa de javardice.
            é claro que as perguntas de cada questionário dependiam da pessoa que as redigia, da sua inocência, geralmente pouca, ou da sua perversidade, geralmente retirada de filmes pornográficos espanhóis. mas, apesar dessa matriz pessoal, as questões acabavam por ser bastante semelhantes entre todas as dezenas de questionários que circulavam pela minha escola. a sequência podia ser mais ou menos esta: 1) como te chamas?; 5) qual é a tua cor preferida?; 22) qual é o teu prato favorito? 38) és virgem? 67) e ao rabo?
            e eram estas questões metafísicas que decidiam o grupo em que cada um dos que respondiam a esses questionários eram inseridos. existiam vários rótulos, múltiplas possibilidades: os betos, os gunas, os populares, os punks e os nerds. era necessário responder bem! depois haviam aqueles a que ninguém pedia que respondesse ao seu questionário, esses já tinham rótulo e lugar fixo. podiam ir jogar ao berlinde ou ficar à baliza nos jogos de futebol. mas eu por acaso era gordo para ter de ficar à baliza? sei que tinha uns quilos a mais, mas sempre fui um defesa central bastante razoável. enfim, adiante!
            elaboradas que estavam as questões era a hora de levar o caderno sagrado para a escola e emprestá-lo aos amigos, esperar para ler as suas respostas. eles podiam demorar um ou dois dias para devolver o caderno. responder à pergunta 38 não era fácil! inventar ou não inventar? depois, quando essa pessoa o devolvia, ele passava para outras mãos. este ciclo repetia-se até o caderno acabar. e esse momento era o clímax!
            quando o caderno chegava ao fim, quando já toda a gente tinha escrito que não era virgem e que gostava de feijoada, esparguete à bolonhesa ou arroz de marisco, o dono do caderno poder-se-ia deleitar a sorver todas aquelas informações. poderia escolher os seus amigos para o próximo ano e poderia concluir que ouvir Shakira era o que estava a dar. as pessoas como eu olhavam para aqueles cadernos e imaginavam segredos, perdiam algum tempo nesse exercício, franziam as sobrancelhas durante esses momentos e depois pensavam em chocolates ou em gomas com sabor a coca-cola.
            hoje, volvidos todos estes anos, pergunto-me o que terá acontecido a todos esses cadernos. será que se perderam? será que foram queimados? – esta última questão é uma enorme vantagem em relação a qualquer outra rede social. espero que tenham sobrevivido, eles marcaram uma geração de pessoas que esta hora estão entretidas a apreciar fotografias dos outros em vez de se preocuparem em saber, de forma directa, como faziam antes, se a pessoa que estão a analisar já levou por trás. creio que nunca terei resposta a essas perguntas, assim como nunca terei a oportunidade de responder a nenhuma daquelas perguntas numeradas e escritas a caneta de cor azul fluorescente. houveram vezes em que ensaiei as respostas que daria àquelas questões todas, tinha uma personalidade forjada que poderia ter cabido muito bem no grupo dos betos. já não teria sido mau!
essas são as respostas que nunca dei. fui obrigado a crescer sem vivenciar essa experiência inolvidável. mas cá cheguei, já com barba, a este ponto, a este texto com palato a chocolate e gomas de sabores variados.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

coisas abjectas


"Existe um certo ponto do espírito de onde a vida e a morte, o real e o imaginário, o passado e o futuro, o comunicável e o incomunicável, o alto e o baixo deixam de ser e não deixam de ser apercebidos contraditoriamente."
Pedro Oom

es
sil
ed
o
erg
aob
od

Dia 5 de agosto o segredo será desvendado!


quinta-feira, 19 de julho de 2012

palavras soltas

em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer a todos aqueles que seguem, de forma regular ou de forma pontual, este blogue e que fizeram com que o mês passado se tornasse um marco quanto ao número de leitores. a todos vocês, O meu muito obrigado!

mas não é somente isso que me leva a escrever-vos esta mensagem. há cerca DE um mês, chegou ao fim a narrativa "A Casa do Violoncelo" e, como sabemos, a parte mais complicada de um final é começar outra vez. existe um tempo, depois de cada desfecho, que nos faz deambular em busca de novos caminhos, estradas futuras ainda entregues ao mato da mente. e foi isso mesmo que aconteceu! depois do violoncelo ter regressado a casa, era hora de também eu regressar a casa, mais concretamente ao escritório, e começar a trabalhar em novas ideias. e, mais uma vez digo, foi isso que aconteceu!

"mas, afinal, o que é que aconteceu?" isso, por enquanto, ainda é SEGREDO.

dia 5 de Agosto, pelas 17 horas (hora de LISBOA), voltamos a encontrar-nos aqui. fica combinado? ;)

sábado, 7 de julho de 2012

depois do cinema













[como nos filmes,
vamos lá começar isto outra vez e apagar a culpa de engolir em seco.]

cadáveres computorizados, tóxicos como a inércia dos jardins camarários,
vagueiam pelos passeios sobrelotados de um passado triste – os vórtices,
os pontos de quebra de poemas industriais e prontos para uma explosão.

os nossos sinais vitais a serem rigorosamente monitorizados pela chuva,
pelo orvalho das árvores queimadas que perduram dentro de gastas veias.
palavras a sucederem-se, a atropelarem-se na fugacidade das intenções.

mais um copo de vinho para o vagabundo que teima em pedir esperança;
só mais um murro nos tomates da nossa mente que nos queima o mundo.
a lembrança, comboio turístico imóvel, com feridas de combate profundas

[como nos filmes,
vamos começar isto outra vez e limpar os olhos – revólveres velhos.]

lá longe, onde prantos de mágoa ecoam, existem fénixes que persistem,
existem sentidos novos para os nossos passos que deixámos de controlar.
sabemos que esse lugar ainda dista, mas os nossos sonhos podem tanto.

não podemos ficar apenas a contemplar o compasso mortal dos relógios,
as rotas que o fumo da fábrica vai traçando no céu, em nós, quando sós.
não pagámos bilhete para viver, mas queremos aplaudir a alguma coisa.

queremos comer pipocas, doces ou salgadas, assustar-nos naquela parte,
ter alguém ao lado a quem possamos estender o braço ao longo das costas,
a quem possamos explorar o corpo nos bancos cimeiros da sala de cinema

e, se no final de tudo isto, no caminho para casa,
concordarmos que o filme não foi grande merda,
podemos parar o carro, tirar a um pássaro uma asa,
voar e ir ver os robôs precipitarem-se em rios de xisto.

eles não serão motivo para a nossa eventual queda,
nem nós fomos a pedra em que já caíram mortos.



segunda-feira, 2 de julho de 2012

as nuvens que não posso deixar




p’ra onde irão as minhas nuvens se eu por aqui não estiver?
imaginemos que rebentávamos de fininho com o mundo,
antes que este esmagasse as nossas essências ornitorrincas:
o que seria feito aos meus dilemas, aos poemas inacabados?

eu e tu sabemos que as minhas nuvens não são apenas água:
são antimatéria, que se aniquila, que me aniquilam e levam
os meus sonhos, os meus cofres, os meus remorsos por nós.
há trombetas e selos por abrir nestas nuvens que se elevam.

eu sei que plantaste um outro céu onde existo ágil e veloz,
um daqueles de agosto: pontos brilhantes a escorrerem luz.
sim, eu sei que até estamos bem perto desse nosso universo.

mas desculpa-me, não sou capaz de deixar as minhas nuvens,
virar-lhes as costas, dizer-te o que tu gostas e dar-te uma flor.

não, não sou aço
e estas nuvens não são medo,
não são drogas
nem a ânsia de sexo devasso.