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quinta-feira, 24 de julho de 2014

Não-não, Segue-segue

não fiques apenas por não teres para onde ir
e não me peças tampouco um caminho
uma direcção   que te afaste da solidão nocturna das bermas

não te demores nas estradas secundárias
apenas pelo simples motivo de iluminarem
electricamente a tua passagem neste momento           e num outro próximo

segue pelo caminho que te leva ao encontro do teu fogo
e que agora te enregela o sangue e depois o aquece e depois não
e depois o contrário de tudo isto ou umas reticências cortantes

segue pelo caminho onde poderás caminhar ao longo deste século
e de outro por vir com novas ciências           
sem nunca cessar        sem qualquer promessa
mas onde ao longe consegues vislumbrar uma fogueira
onde queimarás todas as roupas que a pressa das horas te ofereceu desbotadas


domingo, 20 de julho de 2014

América

pelas calçadas de espinhos deambula um homem espelhado
de origem e ares insuspeitos, com o peito inflado e recto
e na cabeça um mar inteiro vai abraçando violentamente navios voláteis,
            originais e abjectos,
            imponentes em suma,
ideais para a descoberta de tesouros novos,
mas que transportam ideias escravas do medo imposto pelo ídolo criador,
            vergadas por uma moral pirateada
            e afundadas pelos caprichos dos ponteiros cada vez mais urgentes
e descrentes da sua exactidão
 – como aqueles relógios do Dalí.

esta é, assim e derradeiramente, a sinopse deste poema agora revelado.
mas, afinal, quem sou e quem és tu?
Somente protótipos de exploradores falhados

como Colombo, eu reclamo como sendo meus estes versos e esta ideia
apenas pela casualidade de nunca ninguém com eles se ter deparado.

a ti cabe-te a prazerosa e intelectual tarefa da chacina.
mata as diversas possibilidades que este verso deixará em aberto
e as poucas que poupares converte-as à tua fé.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

A filosofia das pedras

as pedras guardam segredos de uma filosofia extinta,
de um tempo precedente aos indícios moleculares de vida,
no qual as noites e os dias se abraçavam,
sem a dor de qualquer significado incorporado.

quantos sábios já se refugiaram nas montanhas?
eremitas, chamamos-lhes. loucos depois,
porque a linguagem sibilante das pedras enfeitiça.

as pedras comportam dentro de si a sabedoria do tempo,
a complacência:
assumem-se como a única possibilidade da eternidade.

penso em quantas mãos já terão segurado esta ou aquela pedra
            quantas histórias,
            quantos gestos,
            quantos ofícios,
um artefacto de morte em última análise.

a filosofia morreu, mas ficaram as pedras.
o que me entedia em nós é já não termos a força
para esculpirmos a mente ou um minério.

o barro é mais maleável
- um mundo faz-se em seis dias
e desfaz-se num sopro.

as pedras não pertencem ao mundo.
as pedras não pertencem ao fundo dos rios
que um dia, também eles, se hão-de extinguir,
assassinados pela nossa sede,

porque apenas precisamos de água, de alimento, de roupas
e de outras tantas coisas que assumem formas transitórias,
que sempre se decompõem noutra coisa qualquer.

uma pedra é concreta. os seres são abstractos:
estágios de um pó vindouro
que também cobre as pedras
e a filosofia
e essas merdas todas.

quem me dera ser uma pedra
e ter uma filosofia mais primordial e genuína dentro de mim,
para que assim não tivesse de escrever tanto e dizer tão pouco.

aliás, gostava de não necessitar de te dizer nada,
apenas pelo facto de também tu seres uma pedra.

poderíamos rir-nos os dois
e o mundo ser-nos-ia totalmente indiferente.
o seu pó não significaria nada
e retiraríamos com um chuto cada homem do nosso caminho.