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quarta-feira, 16 de julho de 2014

A filosofia das pedras

as pedras guardam segredos de uma filosofia extinta,
de um tempo precedente aos indícios moleculares de vida,
no qual as noites e os dias se abraçavam,
sem a dor de qualquer significado incorporado.

quantos sábios já se refugiaram nas montanhas?
eremitas, chamamos-lhes. loucos depois,
porque a linguagem sibilante das pedras enfeitiça.

as pedras comportam dentro de si a sabedoria do tempo,
a complacência:
assumem-se como a única possibilidade da eternidade.

penso em quantas mãos já terão segurado esta ou aquela pedra
            quantas histórias,
            quantos gestos,
            quantos ofícios,
um artefacto de morte em última análise.

a filosofia morreu, mas ficaram as pedras.
o que me entedia em nós é já não termos a força
para esculpirmos a mente ou um minério.

o barro é mais maleável
- um mundo faz-se em seis dias
e desfaz-se num sopro.

as pedras não pertencem ao mundo.
as pedras não pertencem ao fundo dos rios
que um dia, também eles, se hão-de extinguir,
assassinados pela nossa sede,

porque apenas precisamos de água, de alimento, de roupas
e de outras tantas coisas que assumem formas transitórias,
que sempre se decompõem noutra coisa qualquer.

uma pedra é concreta. os seres são abstractos:
estágios de um pó vindouro
que também cobre as pedras
e a filosofia
e essas merdas todas.

quem me dera ser uma pedra
e ter uma filosofia mais primordial e genuína dentro de mim,
para que assim não tivesse de escrever tanto e dizer tão pouco.

aliás, gostava de não necessitar de te dizer nada,
apenas pelo facto de também tu seres uma pedra.

poderíamos rir-nos os dois
e o mundo ser-nos-ia totalmente indiferente.
o seu pó não significaria nada
e retiraríamos com um chuto cada homem do nosso caminho.

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