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sexta-feira, 2 de novembro de 2012

enquanto os deuses dormem




 I

Enki sugeriu a Anu, Deus-Primeiro, que eu fosse degolado,
para que os deuses terrestres poupassem as forças.
e assim veio ao Mundo um novo escravo: o Homem.
para meus irmãos havíeis de procurar ouro
e manter-vos-íeis cegos para o entendimento das maçãs.
é de mim que descendes, Ilitch! ouve-me!

o meu sangue e um pouco de barro são a tua essência;
a tua vida tem o sacrifício oferecido da minha morte.
tu és, por ventura, o derradeiro Homem, Ivan Ilitch,
e todos aqueles que te rodeiam em silêncio
são semideuses que te afagam no teu leito de morte.

- não quero morrer! por Deus, não quero morrer!

a morte nasceu contigo. a morte sou seu.
o sangue que te pára nas veias foi outrora meu.

- e quem és tu?

eu sou Wé, o Deus Pai de toda a humanidade.

- porque aceitaste a morte, ó Deus Desistente?

para que os deuses, meus irmãos, pudessem descansar
e para que o Homem, perante o tempo celestial dormente,
pudesse abrir os olhos, amar a sucessão dos dias
e chamar a isso Vida;
para que pudesse sonhar o Universo e fingir que o entende.

Ivan, fecha os olhos! a morte foi este teu tempo até agora
e a dor é somente uma consequência de existires.
depois de morto não tens rim nem apêndice, Ivan!...

- deixa-me com as minhas dores! o tempo tudo sara!
não quero morrer! não quero saber da eternidade!

não temos tempo, Ivan! o tempo do Homem acabou.
Zaratustra já vagueia pela cidade!...

- quem é ele?

o Novo Homem, aquele que encontrou ouro dentro de si.

- e os deuses, teus irmãos, nosso pai, nada farão?

Anu morreu a dormir, ao som de liras lacrimejantes,
e Enki e os outros romperam os corpos pelo ouro.

como vês, a utilidade do Homem Escravo cessou!..

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