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terça-feira, 2 de setembro de 2014

Um navio que vai para a manhã


um navio passa suspenso sobre a linha do horizonte
levando a bordo os meus sonhos de ontem
uns por cima dos outros                     uns ferindo os outros
e a acalmia rodopia na praia como um cão inquieto
que pressente no vento a melodia de uma matilha faminta

um velho consulta as marés do relógio enquanto digere
um tempo que já não é seu e que fala num outro idioma
que já ninguém compreende   em que já ninguém vende
utopias e cigarros desesperados por dedos mais firmes
que os matem depois no cinzeiro rachado das crenças

porque tudo isto é engano e desengano
tudo isto é o orvalho de uma outra coisa qualquer
que a chuva dos nossos dias deixa nas folhas dos olhos

e sempre seremos isto
sombras bruxuleantes que dançam descoordenadas com o corpo
e nunca saberemos isto
por vivermos eremiticamente na caverna que Platão avistou

nunca saberemos coisa nenhuma
apenas que um navio passa suspenso sobre a linha do horizonte
levando as nossas noites para uma manhã que as esqueça

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