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sábado, 12 de fevereiro de 2011

IN VÁCUO



Imaginemos que durante um segundo eu serei total, serei mais do que matéria, do que eu, do que tu, do que nada, do que o mundo morto em que vivemos. Deixemos a tinta cobrir a folha branca. Deixemos a tinta falar por mim, falar pelo meu silêncio tão cúmplice. Pois eu apenas dei a mão, robotizada pelos gestos que contigo fui aprendendo. Agora escrevendo, o pensamento toma as rédeas. Canta, grita, chora. Canta e grita e chora. Canta ou grita ou chora. Nesta hora, tão solta do tempo, imaginemos apenas.
Os pés firmados sobre o chão que se abrirá tocarão o vazio. Seremos livres da verdade e da mentira, seremos mais altos que isso. Estaremos nem no céu, nem no inferno. Estaremos dentro de nós mesmos. Mergulhados. Perdidos. Assustados.

Aaaaahhhhh!

Silêncio agora.

Uma folha em branco esperando
por um novo grito amigo,
escondido nas lágrimas quentes.

Concorrentes são as rectas
que correm para o vértice desalinhado.

Minhas palavras tão incertas
morrem no meu silêncio programado.

Porque as palavras são apenas pedaços,
areias movediças num deserto de nada:
mundo: espelho baço.

Ornamentos tão pobres todos, -

poesia, mentira ritmada

- e o meu grito perdeu-se no espaço.

Silêncio,

silêncio

e depois um outro diferente.

O ciclo vai-se repetindo como música,
como o bater do meu coração
que bombeia sangue saturado de medo:
coisa de gente.

Num outro decadente lugar
numa outra qualquer acção,
num outro perigoso enredo
alguém sentirá o mesmo:

um vazio,

vazio…

tão silencioso.

4 comentários:

  1. Bem, vou ser "impróprio" literariamente, para ver se chego mais perto do que a tua escrita me transmite... foda-se, que prosa/poema do caralho!

    Adoro o teu estilo literário. Quando te lembrares de editar um livro diz que eu compro, as tuas palavras valem bem o papel em que forem impressas...

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  2. Tenho a dizer que adorei esta "imprópria" apreciação! De facto estes novos trabalhos tem uma componente poética, mas também narrativa.

    Sinceramente, de ínicio temi que as pessoas não achassem isto muito "comestível"...

    De momento não estou muito preocupado com uma publicação. Estou mais concentrado em continuar a melhorar e a inovar a minha escrita, livre de pressões editoriais.

    Obrigado pelas palavras de incentivo,

    Abraço

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  3. Comestível... fast food não é de certeza (lol). Devo antes dizer que as iguarias são assim, demoram-se pelo paladar, mas a digestão é sempre muito mais gratificante!

    Já descodifiquei um dos principais traços da tua escrita que me atrai; a musicalidade. Os ritmos decompassados e silêncios profundos que imprimes na tua escrita. Algo incisivo, kármico, progressivo, devaneante... oh well definições...

    Concordo em pleno com o teu pensamento evolutivo. Só te disse aquilo porque sou um fã do objecto livro e prefiro ler escrita deste calibre nesse formato.

    Abraço e força com isso...

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  4. Eu "trabalho" mesmo muito com os silêncios...adoro-os xD

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