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segunda-feira, 21 de abril de 2014

A olho nu

I

estes versos não estavam previstos,
foi a noite quem mos mostrou.

saí para fumar um último cigarro
e no manto negro nocturno límpido de nuvens
as estrelas sorriram-me muito,
como se me esperassem: sentinelas da meia-noite,
que vigiam os passos dos meus fantasmas mais secretos.

estes versos não estavam previstos,
sobretudo porque me cansei deles.

mas a noite aguardava-me calma,
apaziguadora, como o ventre de uma mãe suprema
que canta para o seu filho até que ele adormeça.
acordei. o sorriso das estrelas encheu-me os olhos
enquanto rodei sobre os meus pés, na tentativa de fixá-las todas.

estes versos não estavam previstos,
não fosse o brilho que hoje trazias vestido.

de entre todos os corpos celestes, elegi-te,
nomeei-te, enquanto o cigarro morria nos dedos,
enquanto os meus olhos calculavam a nossa distância.
anos-luz a separarem-nos, outras coisas tantas,
porque, no entanto, as estrelas não têm dono e os olhos dão-se à cegueira.

depois regressei ao quarto onde agora escrevo
e tu permaneceste lá fora,
onde te localizei numa constelação que inventei.

quando adormecer, quando tiver acabado de matar este poema
que eu gostava que te espelhasse um pouco,
espero que alguém, no meio da madrugada,
se embebede também de ti, para com isso construir uma utopia,
mas, no entretanto, não te esqueças que te vi primeiro.

não te esqueças que este poema é o esquiço metafórico
onde a traço largo anotei a tua força gravítica.

II

regressei ao abraço da noite exterior, mas já não te encontrei.
entre todas as estrelas, já não te passeavas…
talvez tenhas migrado para o céu de um outro hemisfério,
onde olhos menos pretensiosos te procuram.

se te cruzares com os meus fantasmas, enfeitiça-os,
para que regressem à cama solitária do meu naufrágio,
onde o meu desencanto em forma de astrolábio prova a tua impossibilidade.

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