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segunda-feira, 14 de abril de 2014

Elogio da Montanha

Para a grande maioria das pessoas a verdadeira essência da vida reside na concretização dos sonhos. Existe uma enorme probabilidade de que tu – sim, tu que me lês agora – penses também assim. Talvez esperes que este texto que agora se inicia te aponte um caminho para essa mesma concretização do teu universo onírico. Mas, desde já, quero desenganar-te. Estas palavras são apenas noções medíocres de onirocrisia. O motivo que me leva a escrever este texto não é apontar-te o caminho certo, mas antes levar-te a pensar que não há nada melhor na vida do que parar numa encruzilhada e observar perdidamente, como um caminhante estrangeiro, as várias rotas possíveis. Vive perdidamente. Ama todos os momentos que te façam decidir instintivamente. Não acorrentes nenhum sonho à premeditação.
O irreal é belo porque não o podes agarrar e, de resto, se o fizesses, rapidamente sentirias a necessidade de subir ao pico de uma outra utopia. Porque tudo aquilo que agarramos agora, definhamos depois com a vontade desmesurada que as nossas mãos têm da apropriação. Todas as flores acabam por murchar. Não queiras a natureza morta. Alimenta-te da capacidade que tens para te iludir, é isso que te faz pintar o mundo com cores mais vivas. Quando amares alguém ou alguma coisa, respeita sempre a sua existência. Não construas barragens para os teus rios ilusórios.
            Mergulha neles. De cabeça. Mas nunca te demores muito. Existem tantos rios para conhecer, tantas possibilidades que desconheces ainda. Vai por todas as ruas que te assaltam a tranquilidade e nunca perguntes o nome dessa rua a alguém que passe. Nunca te poderás perder porque não tens uma rota definida. Tu pertences ao mundo. Caminha sobre ele como um raio que rasga o céu irregularmente numa noite de tempestade. Tu és a última trombeta que anuncia o teu apocalipse. Confronta-te. Não procures dar paz aos teus sonhos, porque aquilo que eles têm de mais belo é capacidade de te deixar agitado.
            Tu és, derradeiramente, tudo aquilo que consegues conceber a partir do teu imaginário. Não faças da tua ilusão uma concubina da realidade, que nunca te chega. Porque a tua propriedade nunca alimentará totalmente a família faminta do teu ser.
            Sonha alto, mas nunca queiras possuir a montanha. Ela é mais bela quando a observas desde a planície. A magnitude de tudo o que sentes mede-se através do teu pensamento, dos teus olhos, e nunca a partir daquilo que pisas com os pés ou apertas com as mãos.
            Nunca poderás pisar o mundo inteiro. Nunca poderás segurar tudo aquilo que mais amas. Mas poderás sempre imaginar. No entanto, não imagines que existe um sempre. A única fronteira que atravessarás será no dia em que sintas saciada a tua fome pela novidade. No dia em que te sentires pleno, estarás morto. Ainda que a realidade e a ciência não atestem o teu óbito.

            Não te contentes nunca. Não construas estátuas e, sobretudo, não queiras tornar-te numa. Voa como um pássaro ou rasteja como uma serpente, sempre sem rumo, porque. Não há um porque.

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