Para a grande maioria das pessoas
a verdadeira essência da vida reside na concretização dos sonhos. Existe uma
enorme probabilidade de que tu – sim, tu que me lês agora – penses também
assim. Talvez esperes que este texto que agora se inicia te aponte um caminho
para essa mesma concretização do teu universo onírico. Mas, desde já, quero
desenganar-te. Estas palavras são apenas noções medíocres de onirocrisia. O
motivo que me leva a escrever este texto não é apontar-te o caminho certo, mas
antes levar-te a pensar que não há nada melhor na vida do que parar numa
encruzilhada e observar perdidamente, como um caminhante estrangeiro, as várias
rotas possíveis. Vive perdidamente. Ama todos os momentos que te façam decidir
instintivamente. Não acorrentes nenhum sonho à premeditação.
O irreal é belo porque não o podes
agarrar e, de resto, se o fizesses, rapidamente sentirias a necessidade de
subir ao pico de uma outra utopia. Porque tudo aquilo que agarramos agora,
definhamos depois com a vontade desmesurada que as nossas mãos têm da apropriação.
Todas as flores acabam por murchar. Não queiras a natureza morta. Alimenta-te
da capacidade que tens para te iludir, é isso que te faz pintar o mundo com
cores mais vivas. Quando amares alguém ou alguma coisa, respeita sempre a sua
existência. Não construas barragens para os teus rios ilusórios.
Mergulha neles. De cabeça. Mas nunca
te demores muito. Existem tantos rios para conhecer, tantas possibilidades que
desconheces ainda. Vai por todas as ruas que te assaltam a tranquilidade e nunca
perguntes o nome dessa rua a alguém que passe. Nunca te poderás perder porque
não tens uma rota definida. Tu pertences ao mundo. Caminha sobre ele como um
raio que rasga o céu irregularmente numa noite de tempestade. Tu és a última
trombeta que anuncia o teu apocalipse. Confronta-te. Não procures dar paz aos
teus sonhos, porque aquilo que eles têm de mais belo é capacidade de te deixar
agitado.
Tu és, derradeiramente, tudo aquilo
que consegues conceber a partir do teu imaginário. Não faças da tua ilusão uma concubina
da realidade, que nunca te chega. Porque a tua propriedade nunca alimentará totalmente
a família faminta do teu ser.
Sonha alto, mas nunca queiras possuir
a montanha. Ela é mais bela quando a observas desde a planície. A magnitude de
tudo o que sentes mede-se através do teu pensamento, dos teus olhos, e nunca a partir
daquilo que pisas com os pés ou apertas com as mãos.
Nunca poderás pisar o mundo inteiro.
Nunca poderás segurar tudo aquilo que mais amas. Mas poderás sempre imaginar. No
entanto, não imagines que existe um sempre. A única fronteira que atravessarás
será no dia em que sintas saciada a tua fome pela novidade. No dia em que te
sentires pleno, estarás morto. Ainda que a realidade e a ciência não atestem o
teu óbito.
Não te contentes nunca. Não
construas estátuas e, sobretudo, não queiras tornar-te numa. Voa como um pássaro
ou rasteja como uma serpente, sempre sem rumo, porque. Não há um porque.
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