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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Tragédia em dois actos


Acerca dos homens pouco haverá a dizer,
a não ser, claro, o seu declínio.

Os heróis e os deuses morreram de fome
e agora só nos sobram as histórias de guerras passadas
que em noites gélidas contamos ao pormenor
aos ouvidos de crianças assustadiças e frágeis.

Ainda assim, persiste a filosofia  
que já não quer pensar ou ser pensada
e vive como um eremita secular
orgulhosa do seu orgulho de ter pensado um dia.

Ainda assim, persiste a poesia
desprovida de cânones ou de uma métricas rígida,
derrotada pela música
e arrumada em cantos soturnos de bibliotecas públicas.

E o mundo sobe ao palco,
como uma tragédia de apenas dois actos,
com os jornalistas a emitirem em directo para cento e tal nações.

De Alice não há rasto ou fonte próxima
que permita uma reportagem pomposa no país das maravilhas
e na página seguinte encontrar o anúncio de um cruzeiro pelos mares da lua:
APROVEITE JÁ!

Tantas são as coisas que resistem ainda no mundo,
apenas porque temos as mãos entretidas em ecrãs tácteis,
fazendo-nos preservar nos bolsos esses restos de metafísica.

Mergulhados num mundo desprovido de causas,
sobrevivemos sem qualquer efeito aparente.

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