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quinta-feira, 10 de março de 2011

FOTOGRAFIA




Eu sou uma fotografia. Uma daquelas em que ainda sorria. Para além de mim, existe um corpo semelhante, que se move como gente. Seria fácil pensar que eu sou o corpo, seria fácil dizer que estas palavras são realmente minhas. Mas como posso ser eu este corpo, se o tempo em que vivo, se o tempo em que penso, é afinal já tão distante? Não, eu não posso ser movimento. Eu sou apenas a fotografia que vejo todos os dias, a mesma que o pó cobre cruel dentro da tua lembrança.

Há um corpo que se mexe por mim,
uma boca dizente, inventora de palavras,
significados molhados sem fim.

Eu não sei se sou diferente,
se sou igual, ou se um reles animal
domesticado, preso por gente.

Por vezes eu sinto a corda que aperta
e a alma que parece querer explodir,
criar milhares de estilhaços,
pedaços cortantes que atingem o olho cego.

Não nego que gostava de ser um desses bocados,
digo-o com o meu silêncio rouco pelo tempo forjado.
Mas os pedaços eram cobiça,
eram barcos de papel rasgado.

O mundo sabe bem que no fundo eu sou manso,
eu sou mais uma vida comandada pela preguiça.

Ao ser isto assim assim,
em mim quase tenho descanso.

Eu não sou mais do que finjo ser,
sempre tão recto, sempre tão certo.
Por vezes o mundo parece saber
quase que correcto, que eu não estou perto,

que eu não estou perto...

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