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quinta-feira, 19 de abril de 2012

aquela ilha de mulheres de veludo




agora, o sol teve o insano apetite de deitar-se cedo,
de sonhar que era livre e de não ter nas suas costas
o peso da sua luminosidade. hoje apeteceu-lhe dançar
até explodir, abandonar o combate às sombras e aos
pólos hipotérmicos dos corpos. essa foi, pelo menos,
a vontade do meu sol, do significado maleável do meu sol.

ele é minha propriedade, tal como a minha sombra,
tal como esta palavra: esta: e aquela: outra. a palavra
«sol» pertence-me. ninguém lhe atribui um significado
equiparável ao meu, nem alguém pode reproduzi-lo
foneticamente da mesma forma que eu. mutuamente,
pertencemo-nos.

eu e o meu sol sabemos disso, tal como desconfiamos
da rotação constante e venenosa dos ponteiros dos relógios;
eu e o meu sol não temos em posse o instinto secreto
e inexplicável dos corvos, por isso corremos, como crianças,
melodias dissonantes do mundo. como um rio, eu e o meu sol,
dirigimo-nos para o grande lago que reflecte a noite,
que engole as trevas do medo e tranquiliza o seu significado.

nessa lagoa sem barcaças, existem sonhos desfeitos,
existem outros eus e outros sóis. nenhum de nós será eterno,
o veneno sempre trepa, o setembro nunca deixará de existir
e trazer o outono, o seu significado. mas eu e o meu sol
sabemos disso, sabemos dormir e sumir no voo dum quetzal.

atraídos por uma ilha de mulheres de veludo,  nós raptámos
do mundo um tempo, um espaço e um tudo que eu fiz,
embrulhados numa toalha de estampados florais e primaveris.

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