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domingo, 1 de abril de 2012

metamorfose




(passado)

estávamos os dois, em lugares formalmente distintos, desconhecendo a homogeneidade dos nossos pensamentos; nós sabíamos que estava viva a possibilidade de duas maçãs serem colhidas naquele exacto momento, nós só não sabíamos a alta probabilidade de sermos essas mesmas maçãs. nós não conhecíamos a mão que nos haveria de colher naquele pedaço de tempo solto de tudo o resto. nós nunca tínhamos captado a magia daquele equinócio, o equilíbrio geral do tempo.
naquele dia, suspeitando da fome metafísica-carbónica do nosso pensamento de aço pesado e velho, nós começámos este texto. a decisão de falar sobre isto foi fácil, pois as maçãs estavam colhidas. existiam degelos glaciares dentro dos nossos corpos, incêndios que flagravam dentro dos nossos olhos. os nossos passos eram incertos mas cautelosos, perdidos mas conduzidos por um qualquer motivo estranho às nossas mais refinadas palavras, às nossas mais alinhavadas definições. caminhávamos. reticências espalhadas pelo caminho que nos levava até…
enquanto escrevíamos este texto, várias foram as vezes em que pensámos no cansaço das nossas sombras, que não sabendo nada acerca dos nossos propósitos, nos iam seguindo sem questões. talvez elas soubessem o desfecho daquela caminhada e deste texto também, mas nós não sabíamos. o mundo, indiferente, continuava concentrado na marcha regular do tempo. naquele momento nasciam velhos novos, morriam novos velhos. a lógica não tinha vagar para parar e ler este texto que estávamos a escrever e os unicórnios eram aves de penas coloridas ocupadas numa migração utópica. a era da metamorfose tinha chegado.
sim, vamos reflectir sobre o que escrevemos.

(presente)

estamos aqui os dois, a ler este texto que alguém escreveu. não nos conhecemos, não sabemos nada acerca um do outro. no entanto, sabemos, temos a certeza, que estamos aqui os dois. nós nunca nos distanciámos muito de casa. peço desculpa por estar a falar como se te conhecesse, como se soubesse os segredos dos teus possíveis olhos oceânicos. suponho que tenhas uma casa, espero que tenhas uma casa, é tão bom ter uma casa onde possamos regressar e anular o ácido da realidade, libertar os medos e as fantasias interiores, formar uma arca de madeira à deriva nas águas agitadas de dilúvios não previstos pelos boletins meteorológicos.
é tão bom inventar-te e pôr-te aqui, saber que existirás aí mais tarde.

(futuro)

[…]

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