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segunda-feira, 23 de abril de 2012

dois caminhos




a frase mais reticente de qualquer texto será sempre esta: a primeira… talvez seja pelo seu carácter determinista, pois, segundo os pressupostos, segundo os mais antigos críticos literários, ela será como uma linha condutora – imaginem os cabos da electricidade, que vão de um poste até outro, que permitem a existência de uma iluminação pública competente e extremamente necessária – e dela dependerão todas as seguintes, até que chegue essa última frase em harmonia com todas as precedentes. podes saltar já para ela e avançar todas estas seguintes considerações, não levo a mal se o fizeres. porém, se aguentas esse impulso que agora te suscitei, recomendo-te que não o faças.
acho que é fácil, para ti que me lês, calculares o tempo que perdi a pensar naquela primeira frase –  imagina uma mulher a dar à luz; penso que é simples perceberes a dor de cabeça, tempestade negra e nervosa, que está inerente à redacção daquela simples frase. julgo que percebes que a principal dificuldade de tudo o que conheces está na sua criação, no seu início. por tudo aquilo que já deves ter vivenciado, ou por tudo aquilo que já viste nos filmes do Hollywood ou pelas histórias que te traziam o sono entre mãos quando eras criança e não sabias ainda escrever frases, tenho a certeza que és capaz de perceber. eu sei, tu já escreveste frases. eu sei, tu já não és uma criança. eu sei, este texto está a deambular, mas a electricidade por vezes também falha cá em casa.
            por vezes, imagino o tempo que António Maria Lisboa perdeu a escrever o primeiro verso de um qualquer poema, que ainda não era poema durante esse tempo, ainda não era rigorosamente nada para além de um terramoto interior não referido pelas agências noticiosas. mesmo sabendo que o surrealismo é impermeável à razão de colarinho branco, existe sempre a necessidade de que o primeiro conjunto de palavras funcione quase como uma alavanca e que faça o leitor – tu ou eu – levantar os pés do chão. uma brisa suave na cara, o céu a tornar-se mais próximo. sei que percebes isto. se nunca experienciaste isto ao ler um poema, de certeza que já te sentiste assim depois de um beijo prolongado, depois de um sonho bom, depois de teres pago os impostos no último dia, depois de um cigarro fumado à beira-mar. por tudo isso, imagina a dor de escrever um primeiro conjunto de palavras; imagina o peso de levantar o maior número de corpos que conseguires imaginar, Fernando Pessoa levantou mais do que esses todos que a tua mente concebeu, e isto sem estar a desconsiderar o poder imagético do teu pensamento. percebes agora porque é que a electricidade falha? pois, porque a luz tem bastante peso. achas que posso terminar por aqui?

[decida o rumo deste texto, assim como um título alternativo para ele. basta seleccionar uma das seguintes alternativas]

Versão 1
- não! e pára de te queixar! acende uma vela, acaba este texto e deita-me na nuvem mais próxima.


Versão 2
- sim, podes. vai descansar que bem precisas! pode ser que amanhã reinicies este texto com uma primeira fase melhor e que todo o restante conteúdo se coadune com ela.

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