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quarta-feira, 6 de junho de 2012

Z0 ou maratona de espelhos




após o primeiro ano cumprido no ensino superior, acabo por chegar à inevitável conclusão de que me afastei do mundo real, para, sem escolha, mergulhar numa série de conceitos abstractos que de proveitoso nada trazem ao quotidiano de um qualquer cidadão comum. e não, não se pense que apenas os jovens, estudantes universitários, estão alheados do mundo real! uma grande franja da sociedade vive também ela à parte da realidade, dominada por leis e directrizes que segue sem sequer as questionar – não vale a pena! – e é dona de um discurso tão bem articulado, mas tão distante de qualquer sentido universal. bem-vindo ao meu mundo – ao nosso mundo? –, o mundo das convenções.
estás a ver aquele senhor, sentado no chão, de roupas sujas e velhas, com as mãos calejadas e negras que pedem esmola? estás? não olhes! ele faz parte do mundo real. consegues olhar para os ténis que trazes calçados e pensar nos olhos de dor, no sofrimento que não deveria pertencer a uma qualquer criança indonésia? não penses nisso! sim, tens os ténis limpos. não pares de desfilar pelas ruas do nosso mundo! elas são limpas e organizadas. quando escreveres um texto, como este, por exemplo, não dês grande importânica aos comentários das pessoas que escrevem com x e com k. elax ñ xabem nd k tu já ñ xaibas!
tudo tem um método na nossa realidade. sabemos imensas coisas acerca da composição de um átomo, de um órgão, de um corpo, da estruturação de uma sociedade, da sua linguagem, da formação das palavras, das palavras que compõem as leis e suscitam diversas interpretações, das leis que regem o mercado…sabemos quase tudo, e todos os dias saberemos mais, inventaremos mais para saber. estudamos até, imagine-se só, a composição da caca.
sabemos imensas coisas de merda que as pessoas do mundo real, que coabitam, quase paradoxalmente, connosco não sabem. elas sentem dificuldades para tirar o andante do metro, perguntam ao motorista do autocarro se o 204 passa no local X e pedem-nos ajuda, quando estamos na fila das Finanças ou dos Correios, para tirar a respectiva senha para a respectiva mesa, onde está um funcionário de barba feita e formalmente vestido, condizentemente carrancudo e altivo, que lhes dirá: em que posso ajudar?
somos donos de uma autonomia e de uma atomicidade quase inesgotável. no entanto,  não saberemos nunca perceber as horas pela posição do sol, pelas melodias quase semelhantes dos sinos das torres das igrejas imponentes, habitadas por crenças que julgamos enfermas pela sua dubiedade; não saberemos nunca parar e olhar uma orquídea, tal como faria Alberto Caeiro; não sabemos quanto custa um pacote de leite, tal como desconhecemos quanto pagaremos um dia, quando dermos entrada nas urgências, nitidamente embriagados pela rectidão inverosímil de termos interpretado escrupulosamente o papel social que nos foi atribuído – tome lá este para o seu menino que, quando for graúdo, há-de ser engenheiro!; não compreenderemos nunca a essência do sol e do silêncio de domingo.
porém, julgo, saberemos sempre, com a certeza obsoleta do positivismo, qual é o nosso caminho, qual o passo seguinte nesta nossa maratona de espelhos. achas que não sabemos?
olha que merda! vamos lá começar este texto outra vez. voltemos à zona zero.

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